Maioria dos casos de crimes sem cadáver resulta em condenação pelos tribunais. Prova científica é fundamental.
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A Polícia Judiciária (PJ) já perdeu a esperança de encontrar os corpos de Mário Sobral, 65 anos, e Mário Coucelos, 74. Os dois amigos da ilha do Pico, nos Açores, estão desaparecidos desde o dia 10 e os inspetores acreditam que ambos tenham sido assassinados e os seus cadáveres incinerados pelo alemão Tomislav Jozic que, com este último crime, pensava ter eliminado toda a prova que o pudesse comprometer. Contudo, a jurisprudência mostra que, mesmo com os corpos das vítimas ocultos, é possível obter uma condenação pelo crime de homicídio.
Foi o que aconteceu, por exemplo, no caso da "Máfia de Braga". Também Leonor e João Cipriano foram condenados a penas pesadas pelo homicídio da pequena Joana, sem que o cadáver da menina alguma vez tivesse aparecido. E o mesmo aconteceu com Francisco Leitão, que ficou para a história como "Rei Ghob", após ter sido considerado culpado das mortes de Tânia, Ivo e Joana.
Os corpos destes três jovens continuam por descobrir, o que levou, em 2012, a juíza-adjunta do coletivo que julgou o processo, Raquel Baptista, a não concordar com a condenação. "Entendo que a prova constante dos autos e a produzida em julgamento - ainda com recurso às regras comuns da lógica, da razão e da experiência -, não permite criar uma convicção segura e objetivada na prova de que Tânia, Ivo e Joana morreram", escreveu a juíza. Os dois colegas não concordaram e Francisco Leitão continua atrás das grades.
O diretor da Associação Portuguesa de Criminologia, Ricardo Mourão, defende que "é possível" obter uma condenação por homicídio sem corpo da vítima. "É preciso um esforço enorme da PJ para que se perceba duas coisas: que, de facto, ocorreu um homicídio e que seja feita uma correlação com quem cometeu o crime e ocultou o cadáver", explica.
Explicar o móbil do crime
Para alcançar este objetivo, avança o criminologista, a investigação "tem de perceber onde foi cometido o crime, recolher vestígios de sangue, invólucros de bala e a própria arma". "A Polícia não pode facilitar na cadeia de custódia da prova, procedimento que salvaguarda a sua não contaminação", diz. "Não há crimes perfeitos. O criminoso deixa sempre algo no local do crime e leva sempre algo com ele", alega ainda Ricardo Mourão, que salienta o papel "fundamental do Laboratório de Polícia Científica da PJ".
O ex-diretor da PJ Gil Carvalho considera que, "não havendo cadáver, a investigação tem de concentrar-se ainda mais na prova científica, que é uma prova de valor reforçado", afirma.
Por outro lado, sustenta o especialista, "também é determinante apurar o móbil do crime". "A investigação tem de explicar a razão do desaparecimento de uma pessoa e apresentar um nexo de causal entre o suspeito e o crime cometido", avança. No fundo, destaca, "o tribunal não pode ficar com dúvidas e, se estas existirem, têm de ser refutadas de várias formas".
CASO RUI PEDRO
Afonso Dias condenado por rapto
O corpo de Rui Pedro, o rapaz de 11 anos que desapareceu de Lousada, em março de 1998, nunca apareceu. No entanto, Afonso Dias foi condenado a uma pena de três anos e meio de prisão. Não pelo crime de homicídio, mas por rapto. Afonso Dias negou sempre a autoria do crime e seria absolvido pelo Tribunal de Lousada. Porém, após recurso do Ministério Público, seria condenado pelos tribunais superiores.