"É um comportamento deplorável": irmãos condenados por agredirem e cortarem o cabelo à mãe
Dois irmãos foram condenados, nesta quarta-feira, a um ano de prisão efetiva por um crime de ofensa à integridade física qualificada por terem agredido a própria mãe, em fevereiro de 2024, em Gondomar. Outro arguido foi condenado a 360 euros de multa por posse de arma proibida, uma munição.
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Os restantes seis arguidos do processo foram absolvidos. Como os condenados, Domingos e Luciano, já tinham cumprido um ano e 24 dias de prisão preventiva, a pena de prisão foi dada como extinta. Na origem do caso, estiveram agressões a uma mulher e o seu então companheiro, em Fânzeres. A acusação sustenta que foram os próprios filhos da ofendida que a agrediram após esta ter saído do lar familiar com dois netos e iniciar outra relação amorosa.
A juíza considerou que Domingos e Luciano agiram “por represália, em virtude de a mãe se ter separado do marido e por manter uma relação com alguém que não é da comunidade cigana”. Na leitura do acórdão, a magistrada judicial fez questão de censurar o “tratamento desumano” a que sujeitaram Fátima, a sua própria mãe, cortando-lhe o cabelo, agredindo-a com murros e pontapés e atingindo-a na sua honra e consideração, publicando depois um vídeo onde se vangloriam das agressões e mostram o cabelo cortado.
"Ser costume cigano, não diminui culpa, pelo contrário"
“O facto de ser um costume da comunidade cigana não diminui a culpa dos arguidos, pelo contrário, uma vez que estão plenamente integrados”, frisou a juíza. A magistrada recordou que os dois irmãos optaram por não colaborar com o tribunal e nunca mostraram arrependimento. Existindo, portanto, riscos graves de repetirem a mesma conduta. “Pode ser um dia a vossa filha. É um comportamento deplorável, humilhante e totalmente injustificado”, sentenciou a juíza.
"Só a pena de prisão efetiva é capaz de assegurar a respetiva punição" e servirá como um sinal de que “este crime é punido com pena de prisão e prisão efetiva".
O tribunal deu como provado que a 6 de fevereiro de 2024, Domingos, Luciano, Estrela e uma pessoa chamada Pedro foram até à porta da casa onde a Fátima estava a residir, em Gondomar. Quando Hélder, o companheiro dela, saiu, Domingos e Luciano envolveram-se fisicamente com ele e esmurraram-no. Entretanto, Estrela, companheiro da filha de Fátima, mãe dos meninos, arrombou a porta.
Agredida com murros e pontapés
No interior da casa, Fátima foi agredida com murros e pontapés pelos filhos, Domingos e Luciano, que depois cortaram parte do cabelo da mãe. De seguida, levaram os sobrinhos para casa do avô em Famalicão. Nessa mesma manhã, Domingos, Luciano e a irmã Patrícia gravaram e publicaram um vídeo nas redes sociais vangloriando-se de terem agredido a mãe e recuperado os meninos, mostrando o cabelo cortado como prova.
Os nove arguidos estavam todos acusados em coautoria dos crimes de rapto, sequestro, roubo, ofensas à integridade física qualificada, ameaça e dano. Quatro dos arguidos, Domingos, Luciano, Patrícia e Estrela, chegaram a estar em prisão preventiva mais de um ano e outros três em prisão domiciliária.
Silêncios e contradições em tribunal
Em tribunal, a acusação do Ministério Público sofreu um forte revés com a não colaboração dos alegados ofendidos. A avó recusou-se a testemunhar por não querer incriminar os filhos. Também os dois menores, alegadamente alvo de rapto, optaram por não falar. Já Hélder explicou que apenas identificou alguns dos suspeitos porque Fátima assim o indicara.
Quanto aos outros arguidos, Hélder admitiu que se envolveu fisicamente com Domingos e Luciana, mas que foi ele a dar o primeiro murro. E que o telemóvel de que se queixava de ter sido roubado afinal tinha caído no sofá. As contradições entre o depoimento em tribunal e o depoimento anteriormente prestado em sede de inquérito mereceram-lhe a extração de uma certidão e a promessa de um processo por falsas declarações.
Arguidos presos foram libertados após alegações finais
Os quatro arguidos em prisão preventiva já tinham sido libertados no início do mês, depois de, nas alegações finais, o procurador ter pedido uma pena máxima de um ano de prisão para Domingos e Luciano, por dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, e a absolvição de Patrícia e Estrela. Estavam presos desde 12 de abril do ano passado, um ano e 24 dias, portanto já tinham cumprido mais do que a pena pedida.
Na altura, um dos advogados de defesa fez questão de anunciar que irá patrocinar uma ação contra o Estado. Antes, a juíza já havia revogado a medida de coação de prisão domiciliária que fora aplicada a três dos outros arguidos. O modo como foi elaborada a acusação por parte do Ministério Público mereceu duras críticas por parte dos advogados de defesa.
Procurador admitiu falta de provas
Nas alegações finais, o procurador do Ministério Público admitiu que não fora feita prova do sequestro, do roubo e da ameaça e frisou que o ofendido desistira do crime de dano. Restava o crime de posse de arma proibida – uma munição –, pelo que o arguido Nuno deveria ser alvo apenas com uma pena de multa, e as agressões à avó.
“Sobra o que é a violência exercida sobre a ofendida, na modalidade particularmente cruel e acintosa do corte de cabelo. Aconteceu de facto um ato censurável e particularmente indecoroso dos filhos atacarem a mãe e não contentes com isso amplificaram a ação, propagando-a com um vídeo. Podia ser retratado como um crime de honra (…), mas depois ninguém admite que o fez”, afirmou o procurador.
“Sabemos que Domingos e Luciano lá estiveram e há o vídeo”, resumiu o procurador pedindo uma pena de prisão efetiva para os dois irmãos, mas sem exceder um ano, que “infelizmente é mais do que o tempo que já estão presos”.
O caso remonta a 6 de fevereiro de 2024. Segundo a acusação, os arguidos, quase todos do mesmo clã, invadiram a casa das duas vítimas, agrediram-nas, cortaram o cabelo à avó das crianças e raptaram os dois netos, que estavam à guarda dela. Entre os agressores estariam a mãe das crianças e dois irmãos, todos filhos da vítima. Nesse dia, os três gravaram um vídeo, congratulando-se, por já terem consigo as crianças e mostrando o cabelo da mulher, que teriam agredido.
Em abril do ano passado, uma operação da PJ deteve nove suspeitos. Os três irmãos e o companheiro da mãe dos meninos ficaram em prisão preventiva, outros três ficaram em prisão domiciliária e dois em liberdade. Foram todos acusados, em coautoria, de dois crimes de rapto, dois de sequestro, dois de roubos, dois de ofensas à integridade física qualificada, dois crimes de ameaça e um crime de dano. Um dos arguidos estava também acusado de detenção de arma proibida.