Cúmulo das penas pelos 16 fogos que ateou seria de 146 anos de cadeia e o tribunal não hesitou em aplicar a pena máxima. Trata-se de uma decisão inédita neste tipo de crime.
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"O arguido usou as suas competências de nível superior para construir engenhos incendiários, com os quais matou a floresta, milhares de hectares de floresta, e matou a esperança de tantos e tantos cidadãos lesados pelos incêndios". Foi com estas palavras que o juiz do Tribunal de Castelo Branco, João Mateus, resumiu, esta quarta-feira, os argumentos usados para condenar a 25 anos de cadeia Nelson Afonso, o engenheiro eletrotécnico que fabricou sofisticados dispositivos incendiários para atear 16 fogos florestais, entre 2017 e 2020, nos concelhos da Sertã e Proença-a-Nova. É uma pena inédita neste tipo de crime.
O arguido optou pela via do mal, semeando o desespero e o pânico nas populações afetadas pelos incêndios
O tribunal condenou ainda o arguido a indemnizar o Estado em 4,4 milhões de euros, o custo do combate às chamas. Deverá ainda pagar milhares de euros aos donos de pinhais destruídos e a uma pessoa que esteve internada três meses com queimaduras.
Apesar de Nelson Afonso não ter antecedentes criminais e ter feito uma confissão integral e sem reserva, à exceção do primeiro incêndio que lhe era imputado, o coletivo de juízes entendeu que estas atenuantes não chegam para diminuir a pena. Foi condenado a nove anos de prisão por cada um dos 15 fogos florestais e a 11 anos pelo incêndio que causou a vítima. O cúmulo jurídico, que daria 146 anos de cadeia, acabou por traduzir-se na pena máxima.
Foi construindo os seus engenhos incendiários, peça a peça, ao longo de dias, meses e anos
O tribunal deu como provado que o engenheiro teve o propósito de atear os fogos e que, para isso, fabricou os engenhos incendiários, estrategicamente colocados em zonas de difícil acesso, "com temperatura elevada e baixa humidade". Tudo era propício "à progressão rápida e descontrolada das chamas", lê-se no acórdão a que o JN teve acesso.
Retardador com pilhas
Os engenhos tinham uma fonte de energia autónoma. Eram "pilhas ou baterias, ligadas a um circuito temporizador eletrónico e uma lâmpada com o bolbo esmerilado de forma a deixar o filamento de incandescência em contacto com o ar ou matéria combustível, possivelmente embebida em substâncias acelerantes, tudo ligado por fios elétricos".
Provocou um imenso prejuízo económico, ambiental e semeou o terror com os incêndios que provocou
O "retardador" permitia ao arguido estar bem longe das ignições, o que ajudou a escapar às suspeitas durante meses. Porém, a descoberta do primeiro engenho incendiário, em agosto de 2018, levou a Polícia Judiciária (PJ) a perceber que existia um esquema premeditado.
A investigação acabou por incidir no engenheiro, residente na Sertã, que comprava os materiais e componentes específicos em tudo semelhante aos utilizados no fabrico dos mecanismos.
Antes do arguido rececionar uma determinada encomenda de lâmpadas, a PJ intercetou-a e colocou nas mesmas uma marca invisível, "com o objetivo de tornar possível a realização de comparações cientificamente comprováveis e demonstráveis entre as lâmpadas a remeter ao arguido e aquelas que viessem a ser encontradas em engenhos incendiários futuros". Foi a principal prova que levou à sua detenção.