Era preciso prender “o Macaco, o líder da guarda pretoriana, batizada por Villas-Boas”
Terminaram, nesta terça-feira, as alegações finais do julgamento da Operação Pretoriano, relativamente aos distúrbios ocorridos numa Assembleia Geral (AG) do F. C. Porto em 2023, e que envolve o ex-líder dos Super Dragões, Fernando Madureira. A leitura do acórdão está marcada para dia 31 de julho, às 14 horas.
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Adélia Moreira, advogada de José Pedro Pereira, explicou que, pela primeira vez em 27 anos de profissão, teve de escrever alegações com medo de se deixar levar pela emoção. E foi através dos papéis que a causídica afirmou existirem dois planos. Um, do lado de quem estava contra a administração do F. C. Porto, que começara anos antes e com pessoas que foram “enganadas” pelas razões que as levaram à assembleia. Do outro, os que apoiavam Pinto da Costa e que queriam ir à AG para defender o ex-presidente do clube, que “há meses era enxovalhado nas redes sociais”.
A advogada frisou que nenhum dos arguidos “tinha controlo sobre a assembleia”, pois nenhum podia acabar com ela ou esteve ligado à sua organização, que classificou de deficiente e que levou à “irritação dos sócios”.
Adélia Moreira defendeu, igualmente, que ninguém pode ser condenado em co-autoria por coação agravada, por insultos e ameaças feitas por indivíduos não identificados. E sobre as altercações físicas identificou três momentos: um na fila em que Bruno Branco agride um adepto que não quis apresentar queixa, outro com as famílias Aleixo e Sousa e um terceiro que envolveu Henrique Ramos.
Nas alegações desta terça-feira, Adélia Moreira salientou que os dois primeiros agressores de Henrique Ramos - António Sá e Tiago Aguiar, responsáveis por agressões bem mais graves do que José Pereira - foram retirados do processo e “presenteados” com uma suspensão provisória do processo, porque não correspondiam ao perfil desejado pelo Ministério Público. Mas, disse, se António Sá não tivesse interpelado Henrique Ramos, não teria havido mais agressões. Também José Pedro, lamentou, deveria ter sido retirado do processo, mas não foi.
Por tudo isto, a advogada confessou “uma desilusão total com a atuação do Ministério Público (MP)” e defendeu que, “claramente, não há co-autoria”, uma vez que todos os acontecimentos apenas têm a ver com os respetivos intervenientes.
Sobre o seu cliente, sustentou que este não integrava a claque Super Dragões, não fazia parte dos grupos de WhatsApp, nunca comunica com os restantes arguidos, “esteve sempre sentado na bancada central e só se levanta do seu lugar para ir ao encontro ao Henrique Ramos, sempre sozinho".
Tal como vários dos colegas que a antecederam, também esta advogada considerou que enquadrar uma assembleia geral de uma associação no regime legal para fenómenos desportivos viola o espírito da lei. “Vários dos factos não constituiriam crime, mas sim contra-ordenações; a Autoridade Contra a Violência no Desporto deveria ter atuado, mas não o fez, o que só valoriza a nossa posição”, alegou Adélia Moreira, lembrando que o comissário Pedro Rocha confirmou que se tratava de “um evento privado”.
“Que se saiba, ninguém foi ao hospital”
Na sessão desta terça-feira, a causídica elencou outros “episódios estranhos”, como a convocação pessoal de três testemunhas pelo comissário Dennis da Cruz: Villas-Boas, o chefe Bruno Branco e Henrique Ramos. “É normal o responsável máximo e coordenador da investigação efetuar notificações pessoais? Eu nunca vi em 27 anos”, sublinhou.
O que seria de esperar de uma investigação séria, disse, seria escolher testemunhas sem ligação entre elas e não todas de um mesmo grupo, como foi feito. “Mesmo entre testemunhas que estiveram todas juntas, há contradições”, assinalou.
“Estranho”, continuou, foi também a referência do MP, nas alegações finais, a quem foi ao hospital. “Que se saiba, ninguém foi ao hospital”, afirmou Adélia Moreira. “Nas imagens a que tivemos acesso não se passou o descrito pelo MP”, mas era preciso “colocar em prisão preventiva o "Macaco", não o Fernando Madureira". "É o "Macaco", líder da guarda pretoriana, batizada por André Villas-Boas, que está ser julgado”, criticou, destacando “o circo” que continuou à porta do tribunal, com "meios de segurança nunca vistos”.
José Pedro “colaborou”, lembrou ainda a advogada. Deu o código do telemóvel, autorizou buscas e, dias depois da agressão, “espontaneamente, contactou o agredido para lhe pedir desculpa, sem fazer a mínima ideia de que meses mais tarde ia ser detido”.
Foi, resumiu, “lamentável” a posição do MP relativamente ao seu cliente. “É ridículo pedir a sua condenação em co-autoria de todos os crimes, como também é ridículo pedir que todos os arguidos sejam condenados pelos crimes que só a ele lhe dizem respeito", terminou Adélia Moreira, pedindo a extinção do procedimento criminal contra o seu cliente.
Não houve "plano orquestrado"
Por sua vez, António Caetano, advogado de Fábio Sousa, considerou que “não se fez prova de qualquer plano orquestrado” e, relativamente ao seu cliente, “não há qualquer elemento probatório de que ele faria parte desse plano”. Fábio, garantiu, não faz parte de nenhum grupo de WhatsApp, não é membro dos Super Dragões, “não tem qualquer ligação com nenhum dos arguidos e não há nenhum momento, em toda a noite, que se veja em qualquer câmara de CCTV ou vídeo amador a privar com qualquer um destes arguidos”.
Aliás, continuou, Carlos Sousa, que teria sido agredido por Fábio na versão do MP, não o reconheceu em tribunal, nem sequer o localizou no local dos acontecimentos.
O advogado negou ainda que Maria Sousa tenha sido agredida com um estalo por Fábio. “Nas imagens não é isso que vemos”, sustenta o advogado. “Todos os envolvidos no episódio da família Sousa deixaram-no de fora qualquer intervenção, por isso não está feita qualquer prova nesse sentido, nem em qualquer outro”, rematou.
António Caetano questionou ainda “porque é que estes arguidos não tiveram direito a reagir de cabeça perdida como os dois que foram retirados do processo?”. E deu a resposta, pedindo a absolvição do seu cliente: “talvez por não terem o perfil desejado”.
Ministério Público sonhou?
Ainda nesta terça-feira alegou a advogada Marisa Carvalho Oliveira. E para salientar que o seu cliente, José Dias, aparece em apenas oito pontos dos mais de cem da acusação e que há um único facto concreto que lhe é apontado, que é o arremesso de um objeto ao Henrique Ramos.
“O MP sonhou que havia um plano? Os assistentes estavam inebriados? Tiveram alguma alucinação? Não, porque o plano estava alicerçado em dois pontos essenciais. Um, que o José Dias pertencia aos Super Dragões, e outro, que imputava um número de telefone ao arguido”, afirmou a advogada.
Todavia, disse, José Dias não pertencente aos Super Dragões, como afirmaram os vários dirigente e até o polícia Bruno Branco e o subintendente Dennis da Cruz. Também a informação do número de telefone não foi corroborada por ninguém e “esboroou-se em fase de julgamento”.
Marisa Carvalho Oliveira sublinhou que, na decisão de instrução, era este número de telefone que permitia ligar José Dias aos restantes arguidos. Mas, em audiência de julgamento, não ficou provado que José Dias fazia parte dos Super Dragões, nem que aquele número era dele.
“Prova fraca, insuficiente, manifestamente pobre para lhe imputar um conjunto de crimes”, afirmou a advogada, concordando também que a lei contra violência em fenómenos desportivos não pode ser aplicada a este caso. Como tal, requereu, o procedimento deve ser extinto pela desistência de queixa, como foi manifestado pela alegada vítima.
“Muitas testemunhas tiveram medo”
No final das alegações dos advogados de defesa, a procuradora Susana Catarino fez questão de rebater os epítetos usados contra o MP que, “por urbanidade”, se dispensou de repetir. “Queria apenas dizer que o advogado do assistente Henrique Ramos quis fazer passar a ideia de que este processo existiu para abafar outras realidades”, como o processo da Bilhética, afirmou. Sucede, continuou, que este processo “começou depois do Pretoriano”.
Já sobre o afastamento de Tiago Aguiar e António Sá do rol de arguidos, o MP entendeu que os factos eram “isolados” e retirou-os da acusação, o que é uma prerrogativa do MP.
A procuradora explicou, de igual modo, que a escolha das testemunhas teve várias origens: umas foram selecionadas pelas imagens de CCTV, outras por denúncia. “Foi muito difícil trazer testemunhas, porque muitas tiveram medo e os assistentes têm razão quando dizem que a acusação pecou por defeito”.
“Sobre Adelino Caldeira fala-se que o MP não teve uma posição isenta, mas a própria defesa de Fernando Madureira arrolou-o como testemunha e depois dispensou-o. Afinal, era necessário ouvi-la ou não”, questionou a procuradora.
“Houve uma tentativa de normalização destes comportamentos”
Também a advogada do F. C. Porto quis rebater os argumentos dos advogados de defesa, considerando que, “mais uma vez, houve uma tentativa de normalização de comportamentos” violentos e quiseram passar a ideia de que em causa estão “crimes de ódio” e que há uma fação contra outra, o que não é realidade.
Sofia Ribeiro Branco lembrou que após 2019, ou seja, depois do ataque ao centro de treinos do Sporting em Alcochete, a redação da lei foi alterada e não se aplica apenas a espetáculos desportivos, mas também a acontecimentos relacionados com o fenómeno desportivo. Assim, a AG, “de facto, não é um evento desportivo, mas é um evento relacionado com o fenómeno desportivo e realizado nas instalações de um clube desportivo”.
“A lei não tem preâmbulo, por isso não se pode alegar que se está a ir contra o seu espírito”, defendeu a advogada, frisando que “o que estava em causa era a revisão dos estatutos do clube, não era um qualquer concerto”.
Mas, mesmo que [a AG] fosse feita noutro local, continuava a ser aplicável. “O espírito da lei é punir comportamentos ligados ao desporto, o que foi isso que aconteceu”, terminou.