Decisão de primeira instância anulada por falha processual. Ex-administradores dos TUB não terão de pagar ao Estado as luvas que receberam para preferir veículos MAN.
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Ficou provado que dois administradores dos TUB (Transportes Urbanos de Braga) receberam, ao longo de anos, luvas, em contrapartida pela aquisição de autocarros MAN, mas o processo deverá acabar sem qualquer punição. Isto porque o Tribunal da Relação de Guimarães declarou nula a decisão de primeira instância, que obrigava Vítor Sousa e Cândida Serapicos a pagar ao Estado, respetivamente, 53 500 e 11 250 euros, apesar de considerar prescritos quatro crimes de corrupção passiva para ato lícito cometidos pelos arguidos.
O acórdão, da passada segunda-feira, dá razão à defesa de Vítor Sousa, também ex-vice-presidente de Mesquita Machado na autarquia minhota, considerando que, em pleno julgamento, no Tribunal de Braga, houve "uma alteração substancial dos factos", já que tinha sido acusado por um só crime de corrupção passiva e passou a responder por quatro ilícitos, o que viola a lei.
Rejeitados recursos do MP
A Relação rejeitou, também, dois recursos do Ministério Público. O primeiro pedia que as declarações do falecido empresário Abílio Costa, da MAN/Braga, fossem ouvidas em julgamento - pedido que havia sido negado pelo coletivo de juízes, por não ser possível o contraditório. O segundo recurso tinha a ver com a discordância sobre a declaração de prescrição e absolvição dos crimes de corrupção de Vítor Sousa, Cândida Serapicos, Luís Paradinha (ex-administrador da MAN/ /Portugal).
Com esta decisão, o processo retorna ao Tribunal de Braga, onde a audiência será reaberta para que se questione os arguidos se aceitam ser julgados de novo e pelos novos crimes. Resposta que será negativa - diz Artur Marques, advogado de Vítor Sousa -, fazendo com que o processo se extinga. "É um acórdão acertado e rigoroso", salientou o defensor ao JN. Na decisão das juízas desembargadoras Fátima Furtado e Maria José Matos, a Relação refere que "não pode deixar de se considerar que a introdução em julgamento de factos novos imputando ao arguido Vítor de Sousa quatro crimes de corrupção passiva para ato ilícito e não o único crime do mesmo tipo que lhe era imputado, quer na acusação quer na pronúncia, no âmbito de uma diferente relação corruptiva protagonizada pela MAN Portugal, integra uma alteração substancial dos factos".
A acusação afirmava que Vítor Sousa agiu com a intenção de favorecer a MAN/Portugal, a troco de luvas, tese substituída em julgamento, passando a considerar-se que Sousa lidou com Abílio Costa, da MAN/Braga. Este empresário, entretanto falecido, foi constituído arguido, mas passou a testemunha aquando da acusação.
No recurso, Vítor Sousa defendia não ter cometido qualquer crime, mesmo prescrito, argumento que não chegou a ser analisado.
Moldura penal
Crime para "ato lícito" tem prazo de prescrição mais curto
Em julho de 2018, o Tribunal de Braga deu como provado que Vítor Sousa e Cândida Serapicos receberam comissões pela compra de 23 autocarros MAN, mas concluiu que os crimes prescreveram em 2013. Decretou, apesar disso, a perda de bens, respetivamente, 53 500 e 11 250 euros, de alegadas luvas. O juiz explicou que, como não se provou que tivesse havido manipulação dos concursos de aquisição de autocarros, em 2003, 2005, 2006 e 2007 - dado que, de acordo com critérios técnicos, a MAN ganharia por ter o melhor veículo -, os arguidos praticaram o crime mas "para ato lícito", que tem uma moldura penal inferior ao de "para ato ilícito" e, como tal, um prazo de prescrição mais curto.
Pormenores
Sem gestão danosa
Os dois ex-gestores foram, também, absolvidos de administração danosa, dado não se ter provado que lesaram as "regras de boa gestão" da empresa.
Vingança
No processo, Vítor Sousa defendeu que Abílio Costa - que entregou um dossiê à PJ - agiu por vingança, por não ter sido ajudado quando estava a falir.
Perdeu autárquicas
Já depois de a investigação ter sido revelada publicamente, Vítor Sousa concorreu, em 2013, à Câmara pelo PS. Perdeu, por culpa - diz - de alguns socialistas que entregaram o dito dossiê "aos jornais".