Tribunal manda pagar 89 mil euros para compensar invalidez. Em causa stress pós-traumático resultante da guerra e danos não-patrimoniais.
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O Estado português foi condenado em tribunal a pagar 89 438,86 euros a um militar da GNR, de Braga, que esteve numa missão no Iraque, em 2004, e foi considerado incapaz para todo o serviço por sofrer de stress pós-traumático causado pela guerra. O Estado estava obrigado por lei a ter um seguro para o militar, mas não o fez. Ainda alegou que o militar pedira a indemnização fora de prazo, mas vai ter de pagar.
A decisão do Tribunal Central Administrativo do Norte (TCAN) resulta de um recurso apresentado pelo militar, depois de o Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Braga lhe ter negado a indemnização. No acórdão, consultado pelo JN, o TCAN dá conta de que "no período compreendido entre 12 de novembro de 2003 e 11 de março de 2004, o GNR esteve destacado no Iraque, integrando o Subagrupamento - da Divisão Multinacional Sudeste (MND-SE), no âmbito de operações de manutenção da paz e segurança". E aí ficou doente, tendo estado internado numa unidade de saúde em 2006, e depois em convalescença em casa.
Foi dado como provado no processo que o militar, atualmente aposentado, ficou a sofrer de "patologias crónicas de perturbação de stress pós-traumático e perturbação delirante crónica", com uma incapacidade de 25% e foi, inicialmente, dispensado do uso de armamento e da condução de veículos. Sucessivos diagnósticos de especialistas confirmaram a sua condição clínica. O Centro Nacional de Proteção contra Riscos Profissionais da Segurança Social reconheceu a "doença profissional" em 2011 e em 2012 foi considerado "incapaz para todo o serviço na GNR pela Junta Superior de Saúde".
O militar decidiu exigir uma indemnização ao Estado por considerar que este não respeitara a lei [ler caixa], por não o ter protegido com um seguro que cobrisse morte ou invalidez permanente durante a comissão de serviço e que também sofrera danos não patrimoniais por causa disso. No ano passado, o TAF de Braga chumbou a ação do militar, dando como provada a argumentação do Estado, segunda a qual "o capital seguro respeitante à invalidez permanente apenas seria devido se tal invalidez fosse diagnosticada pela Junta Superior de Saúde, no prazo de dois anos após o acidente em serviço", o qual já tinha sido ultrapassado.
"Conduta Omissiva"
Agora, na resposta ao recurso do militar, os juízes do TCAN consideraram que "tal facto não deveria ter sido dado como provado", uma vez que "nenhum diploma legal existe que faça depender a cobertura do seguro discutido nos autos da verificação do diagnóstico da invalidez de qualquer prazo; muito menos, do prazo de dois anos."
O acórdão conclui que o Estado "adotou uma conduta omissiva ilícita e culposa, traduzida na não constituição de um seguro de vida para reparação dos danos de morte ou invalidez permanente, constituição essa obrigatória para militares integrados nas forças do Estado português em missões fora do território nacional - como foi o caso".
Assim sendo, os juízes do TCAN consideraram que se o Estado não tivesse falhado "no âmbito do supra mencionado seguro, o autor teria direito à indemnização por incapacidade total permanente", que consistiria em "18 meses da remuneração mensal equivalente ao posto de capitão", mais o suplemento de missão. Isto daria a quantia de 79 438,86 euros.
Pelo "sofrimento, apreensão, angústia, depressão" resultantes daquela "omissão ilícita por parte do Estado", com a qual o militar ficou "ainda mais deprimido e angustiado, por sentir que a sua posição não seria protegida", o Tribunal decidiu que tem direito a receber mais dez mil euros. A indemnização total foi fixada em 89 438,86 euros, "acrescida dos respetivos juros de mora".
Legislação
Missões de paz e humanitárias
O acórdão recorda que, nos termos da lei, "aos elementos dos serviços e das forças de segurança envolvidos em missões humanitárias e de paz fora do território nacional é constituído um seguro de vida para reparação dos danos por morte ou invalidez permanente". Especifica ainda que "o início e o fim da garantia da pessoa segura reportam-se ao início e ao fim da missão".
Cabia ao Ministério fazer o seguro
Os juízes dão ainda como certo que "o Estado português, através do Ministério da Administração Interna, estava obrigado a celebrar contrato de seguro, nos termos da Portaria n.º 91/2001, de 9 de fevereiro".