Sobrinha de idosa foi acusada de burla, furto e falsificação de documento. Filha da arguida também vai a tribunal.
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Depressiva, enlutada pela recente morte do marido, com Alzheimer e já demente, uma mulher, de 80 anos, foi despojada de todos os bens enquanto estava a morrer num hospital, por uma sobrinha que tinha a missão de cuidar dela. A arguida e a filha que a ajudou a dar o golpe à familiar vão agora ser julgadas por burla, furto e falsificação de documentos. A Polícia Judiciária de Lisboa apurou que se apoderaram de mais de 340 mil euros. Eram todas as economias de uma vida de trabalho da idosa e do marido, que deveriam ser divididas entre vários herdeiros.
De acordo com a acusação do Ministério Público (MP) de Lisboa, Maria C., de 62 anos, residente em Santa Iria de Azoia, era sobrinha de Maria Amélia G., que ficou viúva em maio de 2018. O casal nunca teve filhos e lá em casa, num apartamento situado na Amadora, era sempre ele quem tratava de quase tudo. Com a morte do marido, Maria Amélia, que já sofria de depressão e demência, ficou ainda mais dependente.
A acusação garante que a sobrinha e a filha se apoderaram de cerca de 340 mil euros, desviados das contas, mas também da venda de um apartamento.
Uma sobrinha por afinidade da idosa que até então auxiliava o casal nas lides domésticas e que os acompanhava na resolução de assuntos fiscais, médicos e bancários, promoveu uma reunião de família. Como era sobrinha do falecido, entendeu que, depois da morte deste, seria conveniente ser uma familiar da tia a olhar pela idosa. Ficou assim combinado e a arguida passou a ser "cuidadora" da tia, que foi logo internada num hospital privado de Lisboa, especializado em cuidados paliativos e em doentes com demência.
Mas, passados poucos dias, a arguida tirou a tia da unidade privada e mandou-a para uma habitação de Leiria, onde passou a viver com a mãe da arguida, de 87 anos, e uma outra mulher com cerca de 90. Sem cuidados, a idosa adoeceu e teve de ser transportada para o Hospital de Leiria, com uma septicemia.
Ainda segundo o MP, no dia em que tirou a tia do hospital privado, a arguida apresentou a viúva no Cartório Notarial da Póvoa de Santa Iria, onde foi lavrada uma procuração. A idosa deu todos os poderes à sobrinha para vender bens, movimentar contas bancárias, alterar titulares de contas e representá-la nas conservatórias para qualquer tipo de assuntos.
Movimentos bancários
Com plenos poderes, quando a tia já estava internada em Leiria, a arguida transferiu mais de 84 mil euros de uma conta ainda titulada pelo tio falecido para uma conta pessoal. Dias depois, sacou cinco mil euros da mesma forma e entre setembro e outubro de 2018 o MP garante que movimentou mais de 120 mil euros.
Na posse da procuração, a mulher foi ao banco para resgatar duas apólices de seguro subscritas pelo tio. Por ser um procedimento pouco habitual, o banco precisou de cerca de três meses para autorizar a operação e, em dezembro, altura em que a tia já tinha falecido, foram transferidos 123 mil euros para uma conta controlada pela sobrinha.
Os familiares que poderiam reclamar a herança da idosa descobriram o saque e queixaram-se, dando início à investigação da PJ.
"Vende" casa da tia à filha, que a revende a terceiros
O apartamento onde moravam os tios não escapou, segundo a acusação do Ministério Público, ao golpe da sobrinha. A 4 de outubro de 2018, a mulher foi ao Cartório Notarial da Póvoa de Santa Iria e, com a procuração que tinha obtido da tia demente, vendeu o imóvel à filha, de 37 anos, por 48 mil euros. Dias antes, Maria C. tinha transferido 60 mil euros para a filha, que, no dia da escritura, devolveu 50 mil à mãe. Pouco mais de dois meses depois, a filha revendeu o apartamento, por 90 mil euros, a um terceiro. A escritura foi lavrada no Cartório do Pinhal Novo.
Detalhes
Arguidas optaram pelo silêncio
Maria C. e a filha Ana Rita foram constituídas arguidas e sujeitas a interrogatório judicial, mas nem uma nem outra quiserem prestar declarações.
Notária sem memória
A notária que lavrou a procuração destinada a dar plenos poderes à arguida garantiu à investigação não se lembrar do caso concreto. Também afirmou que lê sempre todas as cláusulas em voz alta, para que sejam percetíveis.