Queixosos investiram em obrigações pensando tratar-se de depósitos. Relação de Lisboa decide que têm direito a ser reembolsados. Novo dono do banco, reprivatizado em 2011, terá de assumir o encargo.
Corpo do artigo
O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) aceitou, nos últimos três anos, a pretensão de pelo menos 16 antigos clientes do Banco Português de Negócios (BPN) sobre a recuperação, na totalidade, da quantia que, há mais de uma década, investiram, alegadamente ao engano, em obrigações emitidas pela Sociedade Lusa de Negócios (SLN) e pelas quais receberam, até 2015, juros. O pagamento terá, nos casos em que a decisão transite em julgado, de ser assumido pelo EuroBic - novo nome do banco (BIC) que, em 2011, comprou o BPN, que fora nacionalizado pelo Estado quatro anos antes. Os valores devidos a cada lesado variam entre os 50 mil e os 550 mil euros.
As obrigações são um instrumento financeiro que permite ao seu titular auferir juros regulares durante o período de subscrição e obter, quando este expira, o reembolso do capital aplicado. Só que, nos casos apreciados pelo TRL nos últimos três anos, o término do produto aconteceu quando o grupo Galilei - herdeiro dos ativos da SLN, à data das subscrições proprietária do BPN, sob liderança de Oliveira e Costa - entrara já em processo de revitalização e posterior insolvência. Os investidores não foram, por isso, reembolsados e, apesar dos juros obtidos, perderam a maioria do dinheiro aplicado. Foi então que decidiram ir para tribunal, com o BIC na mira.
Segundo os dados recolhidos pelo JN, com base nos acórdãos disponíveis online, entre janeiro de 2018 e dezembro de 2020, o TRL apreciou 20 apelações de decisões dos tribunais cíveis. Destas, o banco entretanto rebatizado EuroBic foi condenado em 16, sendo que em 11 casos isso aconteceu após absolvição em primeira instância. A argumentação foi sempre a mesma.
Produto "seguro", diz BIC
Para os juízes desembargadores, o BPN - e, por isso, o BIC - violou o "dever de informação" a que, enquanto intermediário financeiro, está sujeito ao fazer crer aos seus clientes, alguns dos quais com qualificações muito baixas, que as obrigações em causa eram um produto "seguro" e "semelhante" a um depósito a prazo, mas mais rentável. Sustentam, ainda, que fica provado que, se soubessem que não era assim, os queixosos não teriam subscrito as obrigações. O banco foi, assim, condenado a restituir o valor aplicado.
Já o BIC tem defendido, entre outros aspetos, que a hipótese de insolvência é um risco geral e alheio às características do produto e que, por isso, a informação prestada foi suficiente. A posição foi aceite pela TRL, nos últimos três anos, em quatro processos, três dos quais confirmando a decisão de primeira instância. O dever do próprio investidor se informar sobre os produtos negociados é outro dos argumentos usados pelos magistrados, que lembram ainda que os queixosos foram, ao longo dos anos, recebendo os extratos bancários com a indicação de que possuíam obrigações.
No total, estão em causa, só nestes 20 processos, investimentos particulares de 2,2 milhões de euros. As subscrições foram feitas antes de 2008 em balcões do BPN da Área Metropolitana de Lisboa e da região de Leiria.
Banco "cumpre as boas práticas" e não comenta processos
O EuroBic garante, ao JN, que "cumpre com as boas práticas impostas" pelo regulador e pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM). Sem se referir a qualquer caso em concreto, o banco salienta, ainda, que o emitente das obrigações foi a SLN. "O BPN, na colocação das obrigações, era apenas o intermediário financeiro. Os responsáveis pelo pagamento são sempre os emitentes", sustenta o banco. Questionado sobre o estado dos processos contabilizados pelo JN e se algum culminou já no ressarcimento de ex-clientes do BPN, o EuroBic insiste que, "por lei", não se pode pronunciar sobre processos concretos.