Comissária dos Direitos Humanos critica discriminação de afrodescendentes, estrangeiros e ciganos em Portugal. E destaca crescimento de más condutas policiais com motivação racial.
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A comissária para os Direitos Humanos do Conselho da Europa, Dunja Mijatovic, está preocupada com o aumento dos crimes de ódio em Portugal. Num memorando publicado ontem, a responsável critica as agressões a elementos de minorias étnicas, a popularidade de partidos de extrema-direita e as crescentes más condutas policiais com motivação racial.
Problemas que só podem ser solucionados, alega, com um maior empenho do Governo e, entre outras medidas, com a reformulação profunda da Inspeção-Geral da Administração Interna ou com a criação de uma entidade independente que investigue crimes policiais.
"A comissária manifesta preocupação quanto ao aumento dos crimes de ódio com motivação racial e do discurso de ódio, mas também da discriminação, especialmente contra ciganos, afrodescendentes e pessoas percecionadas como estrangeiras em Portugal, sendo a existência de racismo nas polícias um fenómeno particularmente preocupante". Esta é a conclusão do Conselho da Europa.
Dunja Mijatovic justifica a ilação com o assassinato do ator Bruno Candé, a pichagem de edifícios públicos, incluindo escolas e a sede da SOS Racismo, com frases racistas e suásticas e com o assédio e ameaças a ciganos.
Xenofobia do Chega!
"Acresce que, na arena política, é crescentemente usada retórica racista, nomeadamente pelo partido "Chega!", cujos representantes, segundo consta, dão frequentemente mostras de xenofobia, afrofobia e anticiganismo para concitar apoio e votos populares; graças a frequentes diatribes racistas, homofóbicas e sexistas e, por vezes, propostas políticas extremistas, o partido conseguiu rapidamente aumentar a sua presença no espaço público", lê-se no memorando.
Dunja Mijatovic constata, igualmente, "a falta de uma condenação firme e pública do racismo e da discriminação dentro das polícias" e critica aquilo que descreve como "a negação persistente da possível existência de mais do que casos isolados de abusos" nas forças de segurança. Sustenta, aliás, que esta postura dos comandos policiais conduziu "a uma perceção de impunidade desses casos com motivação racial, o que reflete uma sensação generalizada de impunidade por qualquer tipo de má conduta policial". A comissária europeia considera que a condenação de oito dos 17 polícias acusados de agredir seis jovens na Amadora "são um passo em frente no combate à impunidade por má conduta policial". Mas até aqui lamenta "que a motivação racista dos abusos tivesse sido desconsiderada".
Revisão dos manuais
Para combater este cenário, Dunja Mijatovic propõe um plano de ação com campanhas de sensibilização, a criação de um Observatório do Racismo e a reformulação dos manuais escolares sobre a colonização levada a cabo pelos portugueses.
No que respeita às polícias, aconselha mais e melhor formação dos agentes, diferentes critérios de recrutamento e a promoção do acesso de elementos de grupos minoritários às forças de segurança, como já foi anunciado pelo Governo.
Violência doméstica com números elevados
O memorando da comissária dos Direitos Humanos salienta também que Portugal está no 16.º lugar do Índice Europeu de Igualdade de Género, com uma pontuação abaixo da média europeia, e evidencia os números elevados de violência doméstica no país, apesar das melhorias feitas à lei nos últimos anos. "Os níveis de violência contra mulheres continuam extremamente elevados em Portugal, pelo que as autoridades deveriam prosseguir os seus esforços de erradicação da violência doméstica e de outros tipos de violência contra as mulheres", defende .
Dunja Mijatovic considera essencial" dar passos adicionais que ponham em causa mundivisões enviesadas e atitudes paternalistas". O que pode ser alcançado, refere, com a sensibilização da sociedade para a necessidade de punir os agressores. A comissária recomenda ainda, no âmbito dos crimes sexuais, que seja alterada "a definição de violação no Código Penal", de forma a que este crime se baseie unicamente "na ausência de livre consentimento da vítima".