Arrancou esta quinta-feira de manhã no Tribunal da Feira o julgamento de Artur Neves, ex-presidente da Câmara de Arouca, da atual autarca, Margarida Belém, e do empresário de construção civil Carlos Pinho. Em causa está a adjudicação de uma obra de 42 mil euros sem concurso público. O ex-autarca garantiu ter avançado com a obra "por razões de segurança".
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Os arguidos estão acusados dos crimes de prevaricação e falsificação de documento agravado.
Os factos estão relacionados com as obras de pavimentação de um troço situado entre Chão de Ave e Quintela, por ocasião das eleições autárquicas de 2017, que o Ministério Público diz ter sido efetuada sem a devida sustentação de qualquer procedimento legalmente estipulado.
Perante o coletivo de juízes, o ex-autarca, Artur Neves, justificou a pavimentação com o estado degradado daquela via e negou motivos eleitoralistas.
"A estrada estava em mau estado. A população falou-me no assunto, o presidente da junta [Chave] e o vereador do pelouro e fui lá ver". Lembrou, ainda, que também a colocação de condutas de saneamento naquele local, prevista pelas Águas do Norte, não se ia concretizar.
Sobre a alegada falta de concurso público para a intervenção, como sustenta o Ministério Público, justificou que decidiu avançar com a obra recorrendo ao designado por "trabalhos a mais", e lembrou que esta intervenção estava também prevista nas Grandes Opções do Plano de 2015.
"Pareceu-me muito simples, de um lado retirei pavimento, do outro lado coloquei pavimento", justificou. "Foi uma decisão exclusivamente minha (...) no balanço ainda deu trabalhos a menos", assumiu.
Perante o juiz presidente referiu que, "se fizéssemos um concurso para aquela obra os custos duplicariam", lembrando a necessidade de mobilizar vários meios de obra.
Negou igualmente ter concertado com os outros arguidos a concretização da obra. Já sobre o alegado interesse eleitoralista, afirmou que não seria um Lugar "com 40 ou 50 eleitores" que iriam traduzir-se em votos de relevo. "Foi feito por razões imperiosas e de segurança", justificou, assim, a obra.
O autarca reconheceu que, na altura, não houve formalização dos trabalhos a mais, atribuindo que tal se deveu a falha dos serviços da autarquia. "Os serviços técnicos da Câmara não estiveram bem neste processo", disse.
O empresário Carlos Pinho optou pelo silêncio.
De acordo com a acusação, o contrato desta intervenção foi celebrado sem a observação de qualquer procedimento legalmente estipulado para a contratação pública, de modo meramente verbal, pelo ex-presidente e com o acordo da sua sucessora no cargo, para "assegurar a maior votação possível" na lista que os dois integravam, o primeiro como candidato a presidente da Assembleia Municipal e a segunda como candidata a presidente da Câmara.
Já como presidente da Câmara de Arouca, Margarida Belém terá determinado a abertura de um procedimento por ajuste direto, pelo preço de 42.617,50 euros, "tendo tal procedimento sido instruído pelos arguidos, ou a mando destes, com as peças do procedimento como se ainda não tivesse tido execução".
A acusação acrescenta que, com a celebração deste contrato, "foram igualmente violados os limites trienais legais à data em vigor para a contratação por ajuste direto, por se tratar de adjudicação relativa a prestações do mesmo tipo ou idênticas a anteriores adjudicações ocorridas no ano económico e nos dois anos económicos anteriores celebrados com a mesma empresa".
O MP requereu que seja declarado perdido a favor do Estado o valor do contrato, correspondendo à vantagem criminosa obtida pelos arguidos.
José Artur Neves exerceu a função de secretário de Estado da Proteção Civil, sendo ainda arguido no processo relacionado com a aquisição de golas de autoproteção no âmbito do programa "Aldeia Segura - Pessoas Seguras", implementado na sequência dos incêndios florestais de 2017.
Demitiu-se do cargo em setembro de 2019, no mesmo dia em que a Polícia Judiciária fez buscas no Ministério da Administração Interna e na Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil.
Questionada durante a tarde, Margarida Belém afirmou em tribunal que a acusação de benefícios eleitorais com a obra "não faz qualquer sentido. Além disso, nega qualquer participação no processo ou acompanhamento da empreitada em causa, enquanto vereadora no mandato do ex-presidente, Artur Neves.
Sobre o procedimento contratual por ajuste direto para a pavimentação do torço em causa, que efetuou já na qualidade de presidente, disse estar "convencida de que os documentos dados para assinar eram a extensão dos trabalhos a mais".
Pensou estar a assinar "os documentos de trabalhos complementares, de uma obra que ainda estava a decorrer", justificou.
"Confiei, como tenho de confiar ainda hoje, na equipa que tenho a tratar destes procedimentos. Se tivesse sido alertada para alguma ilegalidade, esses documentos não teriam sido assinados", garantiu.
"A equipa [dos serviços da Câmara] entregou os documentos para assinar e a presidente assinou", reiterou.
"Não houve intenção nenhuma de beneficiar quem quer que fosse". Se alguém beneficiou foram os munícipes".