O anterior presidente da Câmara de Terras de Bouro, Joaquim Cracel, bem como dois técnicos superiores do município, é suspeito de favorecimento da irmã da sua então ex-vereadora a tempo inteiro Liliana Machado, que agora é chefe de gabinete do presidente da autarquia, Manuel Tibo.
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Após acusação do Ministério Público (MP), a juíza de instrução de Braga corroborou, este mês, que o ex-autarca e os dois técnicos estiveram "conluiados", no mandato 2009-13, para que Cátia Machado pudesse construir uma moradia em violação da Reserva Agrícola Nacional (RAN). Tanto eles como a dona da casa serão julgados, em junho, pelo crime de prevaricação de titular de cargo político.
O despacho de pronúncia da juíza de instrução Ana Paula Barreiro também confirma o pedido do MP para que sejam condenados na pena acessória de inibição de funções públicas os arguidos Joaquim Cracel, anterior autarca que era independente mas cumpriu dois mandatos em nome do PS, o arquiteto Alfredo Machado e o engenheiro civil Jerónimo Correia, ambos da Divisão de Planeamento, Urbanismo e Ambiente do Município. No caso de Joaquim Cracel, a eventual condenação por esta pena acessória poderá não ter efeitos práticos, uma vez que o arguido deixou as lides autárquicas, em 2017, e reassumiu funções de professor de português.
"Legalmente inadmissível"
A moradia em causa situa-se no lugar de Vau, da freguesia de Balança, e tem 318 metros quadrados, em resultado de um aditamento ao projeto inicial de 200 metros quadrados. "Todos os arguidos bem sabiam que, face às limitações urbanísticas que vigoram para aquele local, inserido em área de Reserva Agrícola Nacional, era legalmente inadmissível a construção de um prédio com aquelas características para o mesmo local", concluiu a juíza de instrução de Braga.
Ana Paula Barreiro considera que os dois referidos técnicos camarários, em face do requerimento de Cátia Machado, "apesar de deverem informar negativamente a pretensão, resolveram admiti-la com informação favorável e com recurso a argumentos nada claros, subjetivos, não controláveis, numa penada os dois arguidos postergaram a lei e a decisão da Entidade Regional da Reserva Agrícola Nacional do Norte, e o que é muito suspeito".
A juíza não se convenceu com as versões de Joaquim Cracel, Alfredo Machado e Jerónimo Correia, que "dizem ter confiado sempre nos demais a montante e não influenciaram a jusante". Seguiu antes a acusação do MP, que diz que aqueles três "favoreceram a outra arguida, Cátia Machado, proporcionando-lhe ilegitimamente o benefício correspondente à construção daquela edificação e naqueles termos, como era do conhecimento e querido por esta, em detrimento e desconformidade com os regimes legais que conheciam e violando os seus deveres, enquanto os garantes do cumprimento daquelas mesmas normas urbanísticas".
O crime de prevaricação por titular de cargo político que foi imputado a Joaquim Cracel, dada a qualidade que de autarca eleito que tinha à época dos factos, foi estendido aos outros três arguidos, por força de uma norma do Código de Processo Penal que se aplica nestes casos.
Arguidos negam favorecimento
Ao longo do processo, os quatro arguidos têm rejeitado qualquer tipo de favorecimento, alegando também que nunca tiveram consciência de nenhuma ilicitude, administrativa ou criminal.
Joaquim Cracel detinha o pelouro das obras particulares. Na Polícia Judiciária de Braga, declarou que confiava nos pareceres técnicos dos serviços camarários, sendo ele professor de português de formação. O ex-autarca assumiu especial confiança no engenheiro civil Jerónimo Correia, chefe de divisão que é arguido, por considerá-lo uma "pessoa muito competente e reconhecida". Daí que, já na fase final do processo de licenciamento e ao apreciar o pedido da munícipe Cátia Machado, não tenha sentido necessidade de ler informações antecedentes, assinadas pelo arquiteto e também arguido Alfredo Machado.
Joaquim Cracel sabia que a requerente, Cátia Machado, era irmã da sua então vereadora, Liliana Machado. Conhecia as duas desde jovens, porque já era amigo dos pais, sendo ele próprio natural do concelho de Terras de Bouro. No entanto, garantiu que nunca quis beneficiar Cátia Machado.
Liliana Machado, também na PJ de Braga, afirmou nunca ter intervindo no deferimento da licença para ser construída a casa da sua irmã. O processo iniciou-se entre 2009 e 2010, quando Liliana Machado era vereadora em regime de permanência na Câmara de Terras de Bouro. Mas nunca teve o pelouro do urbanismo. Este pertenceu sempre a Joaquim Cracel. De resto, a vereadora disse que a irmã nunca lhe pediu para interceder junto de outros eleitos ou técnicos camários. Liliana Machado, que era militante do PS, é atualmente chefe de gabinete do presidente da câmara, Manuel Tibo, do PSD.
Julgamento a 1 de junho
A Instância Central Criminal de Braga, através do Juiz 6, marcou o início do julgamento para os próximos dias 1 e 15 de junho de 2022, no Palácio da Justiça de Braga.