“Isto andou à deriva.” Foi assim que a presidente do coletivo de juízes classificou a atuação da antiga presidente da Glória Portuguesa, uma associação mutualista com utilidade pública do Porto, que está acusada pelo Ministério Público (MP) de ter desviado mais de 224 mil euros da instituição, entre 2017 e 2019.
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Na primeira sessão do julgamento, que decorreu esta segunda-feira no Tribunal de São João Novo, a arguida, que responde por um crime de abuso de confiança qualificado e de um crime de falsificação de documentos, assumiu ter transferido e levantado dinheiro das contas da associação e depositado nas suas contas pessoais. No entanto, negou que o tivesse feito em “proveito próprio”, mas sim para pagar salários, despesas gerais, fornecedores, entre outros.
Aos juízes, Ricardina Ribeiro - que na Glória Portuguesa chegou a exercer funções de escriturária, diretora de serviços e presidente, até ser destituída em 2020 - explicou que adotava esses procedimentos para “facilitar” a administração dos dinheiros da instituição, mas, instada pelo coletivo a concretizar de que forma isso acontecia, não conseguiu dizer “o que era seu e o que era da associação”, apresentando explicações contraditórias. “Sei agora que era errado, mas era prático”, afirmou, por várias vezes. E, quando numa dessas vezes tentava encontrar uma resposta, ouviu um reparo da procuradora: "Peço que olhe para mim, e não para o seu advogado, antes de responder", pediu a procuradora.
Segundo o MP, à arguida cabia-lhe gerir o recebimento das receitas e o pagamento das despesas, a movimentação das contas bancárias, o arquivo dos documentos de suporte das despesas e de toda a documentação necessária à elaboração da contabilidade da instituição.
Terá sido nessa condição que, entre os anos de 2017 e 2019, se apropriou da quantia global de 224.869,80 euros, através de 38 transferências bancárias para as suas contas pessoais, 223 levantamentos em numerário e o depósito nas suas contas ou levantamento ao balcão de 63 cheques por si preenchidos em nome da associação.
Durante a sessão desta manhã, a antiga dirigente afirmou, no entanto, que o montante do desvio de que está acusada pelo Ministério Público "é exagerado" e que há valores que podem ser justificados através de documentação.
“Para ocultar o desvio de tais quantias, a arguida não apresentou os relatórios de contas entre os anos de 2016 e 2018 e, em 2019, viciou os dados de tais relatórios, assim como adulterou, ao longo dos anos, rubricas da contabilidade da associação”, lê-se na acusação do MP, que pediu ainda a perda a favor do Estado dos valores apropriados pela arguida, tendo solicitado, para garantia de tais valores, o arresto preventivo dos bens e valores por ela titulados.
A sessão acabou por ser suspensa após a defesa ter requerido a junção ao processo de outros documentos na posse da associação bem como o levantamento do sigilo bancário da arguida. Na sequência, o Ministério Público solicitou também que o Banco de Portugal informasse se Ricardina tinha outras contas de que era titular.