Exposição de menores a violência doméstica pode configurar crime: lei atual é ambígua
A exposição de menores a situações de violência doméstica pode passar a configurar um crime autónomo. A atual redação do artigo 152º. do Código Penal já prevê essa possibilidade, mas o texto é ambíguo, disse a Associação de Apoio à Vítima (APAV) ao JN. Falta clarificar que a prática de violência doméstica na presença de menores resulta na condenação por dois crimes, e não numa agravante ao crime de violência doméstica, defende a associação. O tema será debatido, esta quarta-feira, em plenário da Assembleia da República. Em cima da mesa estão propostas do Livre, Iniciativa Liberal e Bloco de Esquerda.
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Segundo o Relatório Anual de Monitorização de Violência Doméstica referente a 2020, 2019 e 2018, cerca de 31% dos casos de violência doméstica foram presenciadas por menores. Para APAV, não há dúvidas de que "o facto de uma criança ser exposta a um contexto de violência doméstica faz dela própria uma vítima de violência doméstica", afirma Frederico Marques, coordenador de operações da associação, ao JN. Atualmente, as crianças já beneficiam do estatuto de vítima, com os devidos direitos conferidos nessas circunstâncias, mas falta clarificar na lei que a exposição de menores deve constituir um crime e não uma agravante, explicou.
Lei é ambígua
À luz do ponto 1.º do artigo 152.º, já seria possível condenar o agressor pelo crime de exposição de um menor a uma situação de violência doméstica. Isso já acontece em alguns casos, admite Frederico Marques, acrescentando, contudo, que uma alínea subsequente torna o texto ambíguo ao considerar a exposição de um menor como uma agravante, acrescenta.
Se se trata esta prática do crime na presença de menor como uma situação agravante, diz Frederico Marques, muitos juízes acabam por considerar a situação como circunstância agravante e não como crime autónomo, qualificando a situação como crime de violência doméstica agravado pela presença de menor, explicou.
A exposição de uma criança a contextos de violência doméstica pode resultar em consequências e danos equivalentes aos sofridos pela vítima, pelo que, para a APAV, só há vítimas diretas, defendeu o coordenador da associação. Para a associação de apoio às vítimas, a solução passa por clarificar a redação do artigo 152.º, como propõem a Iniciativa Liberal, o Livre e o Bloco de Esquerda, e não pela criação de um tipo autónomo de crime.
"Expor um menor a violência doméstica é violência doméstica, deve ser tratado no âmbito do crime de violência doméstica, e, portanto, faz-nos mais sentido, em vez de estar a criar mais um tipo autónomo de crime, inserir esta alteração no próprio texto do tipo legal do artigo 152.º", defendeu Frederico Marques.
Vítimas e queixas aumentam
Só este ano, já morreram 13 mulheres às mãos dos companheiros em menos de meio ano. Como escreveu o JN na edição desta terça-feira, depois de um ano atípico, com 16 vítimas registadas em 2021, o fim definitivo do confinamento prepara-se para trazer de volta mais casos trágicos, como o de Felgueiras. O presidente da APAV, João Lazaro, considera os números atuais "assustadores". Teme que se esteja a voltar à tendência de anos passados.
Como avançou também o JN na edição de 29 de maio deste ano, o número de denúncias de violência contra as crianças aumentou nos últimos dois anos, sendo que 2021 é o que revela um maior acréscimo nas queixas relativamente a crimes perpetrados envolvendo menores até 16 anos.
Segundo dados fornecidos ao JN pela PSP, em 2021 foram denunciados 9008 casos de violência envolvendo crianças, incluindo violência doméstica, ofensas à integridade física voluntária grave e simples, maus-tratos, ameaça e coação, difamação, calúnia e injúria. Em 2020 tinham sido 7804, o que significa que houve mais 1204 denúncias. Este ano (até 25 de maio), foram denunciados 4244 casos.