Sílvia Mendes foi a última vítima, morta às mãos de um marido violento, em Felgueiras. APAV assustada com aumento dos homicídios conjugais.
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Sílvia Mendes, a mulher abatida a tiro na segunda-feira de manhã em Felgueiras, foi a 13.ª vítima mortal da violência conjugal este ano. Dois dias antes, foi Celestina Ferreira que, em Arouca, morreu às mãos de um marido ciumento. O ano ainda não chegou a meio e o número de mulheres assassinadas pelos maridos já quase atingiu o de 2021. Foram 16.
O total de femicídios do primeiro trimestre deste ano foi contabilizado pela Comissão para a Igualdade de Género (CIG) e foi feita com base em estatísticas da Polícia Judiciária. Nos primeiros três meses do ano, morreram oito mulheres. Daí, até ontem, o JN contabilizou pelo menos mais cinco mortes em contexto de violência doméstica. Ao todo: 13 femicídios em menos de meio ano. O número parece indicar que, depois de um ano atípico com 16 vítimas (27 mortes em 2020), o fim em definitivo do confinamento prepara-se para trazer de volta mais casos trágicos, como o de Felgueiras.
"O número de homicídios conjugais a esta data é claramente assustador. Parece estar a recuperar a tendência do período pré-pandémico, o que é preocupante", disse, ao JN, João Lázaro, presidente da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV).
Baleada junto à fábrica
Sílvia Mendes, de 45 anos, foi baleada pelo ex-companheiro, à entrada da fábrica onde trabalhava, em Refontoura, Felgueiras.
Sílvia chegava ao trabalho na companhia da irmã. À porta da empresa de calçado onde trabalhava há cerca de seis anos, foi surpreendida pelo homem com quem foi casada durante quase duas décadas, e com quem tem uma filha, já maior de idade. Dentro do carro, na Rua 25 de Abril, em Refontoura, Sérgio Cunha aguardou a chegada da ex-companheira ao trabalho.
Sílvia Mendes foi casada durante cerca de 20 anos com Sérgio Cunha. Tiveram uma filha e um neto, hoje com poucos meses. Não eram conhecidos problemas entre os dois, nem havia queixas na GNR. Contudo, Sérgio não queria formalizar o divórcio, apesar de estar separado da mulher há dois anos. Suspeitava que esta tivesse um novo relacionamento. A desconfiança já teria levado o homem a tentar esfaquear Sílvia no sábado passado, só não o tendo conseguido por intervenção de familiares. Sérgio era natural de Caíde de Rei, Lousada, mas mudou-se para Vilar do Torno e Alentém, também em Lousada, a terra natal de Sílvia Mendes, quando casaram. Depois da separação, a mulher mudou-se para casa da mãe, na mesma freguesia, e Sérgio continuou na casa do casal.
Quando se apercebeu da presença de Sérgio parado em frente à fábrica, Sílvia ainda tentou fugir, mas sem sucesso. O ex-companheiro saiu da sua viatura e, munido de uma caçadeira, disparou dois tiros contra a mulher, que a atingiram no peito e abdómen.
A vítima ficou caída no chão, inconsciente, já fora do carro da irmã. Ainda foi socorrida pelos Bombeiros Voluntários de Felgueiras e pela equipa da Viatura Médica de Emergência e Reanimação do Vale do Sousa, mas não resistiu. Vários familiares da vítima deslocaram-se à porta da fábrica, "Marisport", onde tiveram de receber apoio psicológico.
Depois de balear a ex-companheira, Sérgio Cunha fugiu do local, mas acabou por se entregar no posto da GNR de Lousada, cerca de uma hora depois do crime. Antes, passou pela empresa onde trabalha, em Lousada, onde deixou a arma do crime, que foi depois recuperada pelas autoridades.
INE lança inquérito este mês
Para conhecer melhor a dimensão do fenómeno da violência doméstica e de género, o Instituto Nacional de Estatísticas (INE) vai lançar, este mês, um inquérito, que irá questionar os portugueses. "Basicamente lida com violência de género e violência doméstica", adiantou Francisco Gonçalves de Lima, presidente do INE, acrescentando que neste caso também foi realizado um inquérito-piloto e que este projeto foi coordenado a nível europeu. Este inquérito será feito pela Internet, por telefone ou presencial, de modo a "ajustar ao máximo à preferência de quem está a responder". Irá incidir sobre experiências de assédio sexual no trabalho, violência física, sexual, psicológica e económica, bem como violência na infância, para com isso "conhecer melhor a dimensão do fenómeno", disse Francisco Gonçalves de Lima.
Dados
16 femicídios foram registados no ano passado pelas autoridades em Portugal. Todos os crimes foram praticados em contexto de violência doméstica.
27 mortes. Em 2020, foram 27 as mulheres que morreram às mãos de homens violentos. No anterior, tinha sido 26 vítimas.