Jovem de 22 anos forjou e-mails do Governo e gastou fortuna no jogo. Só no casino de Espinho movimentou 52 milhões.
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Com apenas 22 anos, uma mulher de Santa Maria da Feira sacou mais de 1,5 milhões de euros a 15 investidores com uma burla envolvendo nomes de membros do primeiro Governo de António Costa. Simples e-mails ostentando o timbre do Ministério da Saúde e a garantia de ter contacto direto com os então secretários de Estado da Saúde António Lacerda Sales e Diogo Serra Lopes, convenceram as vítimas a investir num suposto negócio altamente rentável. Tratava-se de uma rede de clínicas de psicologia ligadas a hospitais com lucros garantidos por serem financiados pelo Estado.
A fortuna foi quase toda gasta no vício do jogo, no Casino de Espinho, onde a jovem movimentou cerca de 52 milhões de euros. Através de uma conta de jogadora, depositou 1,6 milhões de euros e levantou mais de 788 mil. No total fez apostas no valor de 52 milhões de euros.
Acusada pelo Ministério Público de Vila Nova de Gaia de crimes de burla qualificada, falsificação de documento e falsidade informática, a arguida atuou no Norte do país entre 2019 e 2021. A primeira vítima foi um construtor civil de Esposende, a quem se apresentou como psicóloga, quando na realidade apenas frequentara o primeiro ano de licenciatura na Universidade Portucalense. Com uma capacidade de persuasão fora do comum, convenceu-o a investir no negócio.
Logótipo do Governo
Para conferir autenticidade ao pedido de financiamento, a falsa psicóloga apresentou ao investidor documentos com os logótipos do Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga, do Serviço Nacional de Saúde, do Governo de Portugal, do Ministério da Saúde e do Hospital de Magalhães Lemos, EPE. Os documentos eram uma espécie de "caderno de encargos", assinados pelos presidentes dos conselhos de administração dos hospitais da Feira e de Magalhães Lemos. Havia ainda supostas propostas contratuais com os investimentos nas clínicas descritos ao pormenor.
A arguida argumentava que as entidades hospitalares efetuavam pagamentos mensais de ordenados dos contratos de prestação de serviços e reembolsos para a conta titulada pela sociedade que entretanto tinha criado. Ou seja, o investimento tinha retorno garantindo porque o Estado pagava tudo. Só ao construtor a jovem sacou 887 mil euros que seriam destinados a abrir clínicas no Porto, Gaia, Castelo de Paiva, São Roque, Mosteiro, Oliveira de Azeméis, Carregosa, Vale de Cambra, Maia, Espinho, Oliveira do Hospital, Braga, Cantanhede, Pombal, Figueira da Foz, Odivelas, Lisboa e ilhas.
Para credibilizar a burla, chegou ainda a forjar comprovativos de uma transferência bancária do Ministério da Saúde para uma conta dela de 2,8 milhões de euros. O documento era supostamente assinado por Sandra Cavaca, então secretária-geral do ministério. Com o mesmo esquema burlou um casal, que teve de pedir dinheiro emprestado para lhe entregar 500 mil euros.
Marta Temido
Ministério da Saúde apresenta queixa
A investigação da Polícia Judiciária do Porto, que deteve a mulher em fevereiro do ano passado, foi levada ao conhecimento da então ministra da Saúde, Marta Temido (em baixo), que, em agosto, manifestou vontade de apresentar queixa e deduzir um pedido de indemnização cível. A procuradora da República Ana Coelho já pediu a perda a favor do Estado de 1,5 milhões de euros contra a mulher, que se encontra em prisão domiciliária.
Pormenores
887 mil euros foi quanto um construtor civil entregou à falsa psicóloga, que o convenceu a investir num negócio "infalível". Um casal teve de pedir dinheiro emprestado para lhe entregar 500 mil euros.
Tinha motorista
A jovem aparecia aos encontros com investidores numa carrinha Audi A4 conduzida por motoristas. Através da empresa que criou em Santa Maria da Feira, pagou 900 euros por mês, entre setembro 2019 e março de 2020, ao primeiro motorista contratado. Também empregou uma mulher como condutora.