Uma mulher de 38 anos foi condenada a pagar 200 euros mensais à mãe a título de alimentos. A mãe tinha-a abandonado e à irmã, quando ainda estudavam, mas isso não afastou a obrigação. Para o Tribunal da Relação do Porto, a filha beneficiou da doação de uma casa e, agora, terá de apoiar a progenitora.
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A mãe, de 66 anos, está desempregada e sobrevive com uma pensão de 186,68 euros. Vive em quartos arrendados e alimenta-se graças à ajuda de amigos e instituições. Perante as dificuldades, requereu, em tribunal, às filhas 600 euros mensais, a título de alimentos, invocando a condição de mãe e lembrando que pagou e pôs no nome da mais velha o imóvel onde as filhas ainda residem, no Porto. As filhas contestaram, explicando que, em 2003 - tinham apenas 23 e 13 anos -, a mãe saiu de casa, deixando-as sozinhas, com contas e propinas para pagar. Foi o pai, que mudara de casa após o divórcio, que as auxiliou.
A família tinha perdido poder económico com a morte do avô materno. A mãe ainda aproveitou a herança para comprar uma casa. Como já tinha dívidas e problemas com o banco, decidiu jogar pelo seguro e colocou-a em nome da filha mais velha. Pouco depois, abandonaria o lar e as filhas, deixando de pagar qualquer despesa.
As jovens licenciaram-se graças ao salário da mais velha, a empréstimos da família de um namorado e ao aluguer da garagem da casa. A mãe manteve-se alheada mas, mal a filha mais velha se formou, começou a pedir-lhe dinheiro. Em 2008, chegou a apresentar queixa contra a mais nova e o pai por injúria e sequestro.
Em 2018, interpôs uma ação para que as filhas lhe prestassem alimentos. O tribunal de primeira instância recusou, mas a mãe recorreu e a Relação deu-lhe razão, não por causa do vínculo familiar, mas por ter doado a casa.
Não violou deveres
A lei diz que, em estado de necessidade de uma doadora, o bem doado responde pela satisfação dessas necessidades. Neste caso, "apesar de não ter sido por fins altruístas", houve uma doação, ainda que "indireta", considerou o tribunal. Se a mãe ainda tivesse a casa, ela poderia servir para o seu sustento. Com a doação gerou riqueza para a filha e garantiu-lhe um teto e rendimentos. Agora, é a donatária quem terá de ajudar a doadora.
Ao contrário do que tinha considerado a primeira instância, para a Relação a mãe não violou gravemente os seus deveres. Quando saiu de casa, a filha já tinha 23 anos e pôde contar com o apoio do pai. "Deixou de se preocupar com ela, de pagar as suas contas, mas deixou-a com um teto, uma casa para viver, ao contrário da mãe, que veio a ter que recorrer a quartos alugados", afirmam os desembargadores. Assim, a filha mais velha tem a obrigação de apoiar a mãe.
Apesar de também estar desempregada, a Relação considera que a filha poderá tirar rendimentos do imóvel doado, "nomeadamente com o arrendamento da garagem e/ou quartos a estudantes ou outros". Assim, decidiu fixar o valor da prestação em 200 euros mensais, desde a data da ação (2018) e até ao limite do valor do bem doado (100 mil euros).
Pormenores
Trataram da mãe após acidente
Em 2013, a mãe teve um acidente e, apesar de tudo, as filhas trataram dela e acolheram-na em casa. A mãe acabou por entrar em conflito com o ex-marido, o que obrigou as filhas a providenciarem-lhe um quarto até recuperar.
Também pediram indemnização
As filhas também tinham pedido uma indemnização de 7500 euros por danos não patrimoniais sofridos na sequência do abandono e por terem de passar por processos judiciais. A mais velha ainda ficou inibida de passar cheques após a mãe ter passado um cheque sem cobertura de uma conta conjunta.
Quem é obrigado a prestar alimentos
O artigo 2009.o do Código Civil diz que estão vinculados à prestação de alimentos - "tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário" -, pela ordem indicada: o cônjuge ou o ex-cônjuge, os descendentes, os ascendentes, os irmãos, os tios durante a menoridade do alimentando e o padrasto e a madrasta, relativamente a enteados menores que estejam, ou estivessem no momento da morte do cônjuge, a cargo deste. Porém, o artigo 2011.o realça que, caso o alimentando tenha doado bens que lhe pudessem assegurar meios de subsistência, as pessoas anteriormente referidas ficam desobrigadas de lhe prestar alimentos. Nestes casos, a obrigação recai sobre o donatário ou donatários que receberam a doação, ou seus herdeiros.