Trabalho em casa só foi concedido a meio-tempo. Não tem quem tome conta da mãe em tempo de pandemia.
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Uma funcionária judicial levou a mãe, com 82 anos e saúde débil, para o seu posto de trabalho no Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) do Ministério Público de Portimão, por a administração da Comarca de Faro não lhe ter permitido ficar em teletrabalho a tempo inteiro e por ela não ter com quem deixar a idosa, justificou.
A mãe de Luísa Duarte sofreu um acidente vascular cerebral, em janeiro de 2019, que a mantém presa a uma cadeira de rodas, sem fala e com o lado direito paralisado. Com a pandemia da Covid-19, a funcionária ficou sem ter quem tomasse conta da idosa. Por outro lado, argumenta de que o trabalho fora de casa aumenta o risco de ela própria ser infetada e contagiar a mãe, numa idade em que a taxa de mortalidade é mais alta.
Pela hora de almoço de ontem, segundo dia em que se sentiu obrigada a ir com a mãe para o trabalho, Luísa Duarte recebeu ordem para a tirar dali. Levou-a de volta para casa, a 17 quilómetros, deu-lhe o almoço e voltou para o DIAP, deixando-a sozinha. "São só duas ou três horas", ouviu Luísa Duarte desvalorizar.
a meio-tempo
"Isso é mentira! Eu deferi o teletrabalho para todos", respondeu a administradora judiciária da Comarca de Faro, Maria Eleutéria Nascimento, quando o JN lhe perguntou se uma funcionária levara a mãe para o DIAP por não lhe ter sido possibilitado o teletrabalho. Irritada com as perguntas, a administradora nunca esclareceu os termos do deferimento, no caso de Luísa, mas o secretário-geral do Sindicato dos Funcionários Judiciais, António Marçal, e a funcionária explicaram que esta foi simplesmente metida na escala rotativa de 15 dias em teletrabalho e 15 de trabalho presencial.
Mas, em meados de março, Luísa Duarte nem aquilo tinha conseguido. Na altura, foi-lhe negado todo e qualquer teletrabalho, tendo metido baixa, para assistência à família, com o prazo (máximo) de 15 dias. No fim de março, já o país estava em estado de emergência, voltou a requerer teletrabalho. E a tempo inteiro, tal como podem ter os funcionários com problemas de saúde ou filhos menores de 12 anos, mas conseguiu-o apenas a meio-tempo.
Após uma primeira semana de trabalho presencial, em que arranjou quem lhe tomasse conta da mãe, esteve em teletrabalho e, esta segunda-feira, voltou ao trabalho presencial. "Nunca tinha posto a hipótese de levar a minha mãe", conta, confessando que, como não há atendimento ao público na sua secção e, muitas vezes, está ali sozinha, convenceu-se de que o risco de a mãe ali apanhar a Covid-19 não era grande.
Ao final da tarde de ontem, quando questionada sobre o que faria hoje com a mãe, ainda não tinha resposta.
CARTA A MARCELO E A COSTA
Em carta ao presidente da República e ao primeiro-ministro, Luísa Duarte pediu, "com urgência, proteção legal para as pessoas que assumiram o cuidado com os seus ascendentes e que, neste momento, são obrigadas a trabalhar". O dirigente sindical António Marçal comenta que a interpretação da legislação do estado de emergência, que foca muito a proteção dos mais velhos, permite teletrabalho a tempo inteiro a quem tem a seu cargo pais ou avós.