Dezasseis ex-trabalhadores estão a ser julgados por peculato. Sete pessoas a quem deram presentes tirados dos "perdidos e achados" respondem por recetação.
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Dezasseis funcionários da Autoridade Tributária (AT) estão a ser julgados por peculato. São suspeitos de, entre abril de 2018 e junho de 2020, se terem apropriado de centenas de objetos deixados nos "perdidos e achados" do Aeroporto de Lisboa. Outras sete pessoas respondem por recetação por terem ficado com os "presentes" subtraídos dos armazéns da Alfândega, apelidados pelos arguidos de "El Corte Inglés".
Na primeira sessão do julgamento, há uma semana, a então coordenadora do setor de controlo de passageiros e bagagens negou que todos os bens de que é suspeita de se ter apropriado tenham sido retirados dos "perdidos e achados". Mas admitiu que a subtração de objetos, depois dos 90 dias para serem reclamados, era uma prática generalizada.
Entre os bens que Ana Paula Silva, de 64 anos e recentemente aposentada, confessou ter-se apoderado, está um carrinho de bebé que deu "a uma senhora que ajudava" os seus pais.
"Desvalorizei a ação. As próprias associações e instituições que iam buscar as malas não levavam os carrinhos de bebé, porque não tinham forma de escoar o produto", justificou.
Só em casa da coordenadora, foram descobertos, segundo o Ministério Público (MP), bens avaliados em 13 992 euros, incluindo mais de 50 relógios. "O meu marido é colecionador", afirmou. Na habitação foram ainda encontrados 13 telemóveis. O objetivo, garantiu, seria "escolher" um que desse para dois cartões. Quando o descobrisse, "levaria para trás" os restantes.
Já um outro funcionário, em cuja casa foram apreendidos 88 objetos, incluindo tablets e telemóveis esquecidos em aviões da TAP, sublinhou que "só tirava as coisas depois do prazo de reclamação". "Tornavam-se do Estado, não retomavam às pessoas. Estou envergonhado", afirmou Adalberto Gonçalves, de 68 anos e igualmente aposentado. Terá ainda dado às irmãs cremes e maquilhagem cujo destino era o lixo: "Elas não sabiam que era lixo".
aproveitaram "lacunas"
No total, foram apreendidos aos 23 arguidos, em 2020, objetos avaliados em cerca de 65 mil euros. Legalmente, os bens deveriam ter sido doados, vendidos, destruídos ou afetos aos serviços do Estado. Alguns, admitiu em tribunal Ana Paula Silva, foram desviados com a sua "autorização".
Para o MP, os 16 funcionários da AT terão aproveitado as "lacunas" e "falta de controlo e fiscalização" dos processos de gestão dos "perdidos e achados" para, "de modo sistemático e reiterado", "fazer seus os objetos", transportando-os em malas e mochilas que levavam vazias para o local de trabalho.
O julgamento prossegue hoje, em Lisboa. A maioria dos arguidos optou, para já, por se remeter ao silêncio.
Pormenores
Champanhe em festa
A então coordenadora do setor assegurou que uma dirigente da AT autorizou os funcionários da Alfândega a usarem uma garrafa de champanhe dos "perdidos e achados" na festa de despedida de uma colega.
Cachecol do Benfica
Ana Paula Silva confirmou ainda que autorizou uma outra arguida a levar para casa um cachecol do Benfica. "Não valorizei", justificou no julgamento.
Tabaco desviado
Quatro dos funcionários estão também acusados de falsificação de documento, por terem, segundo o MP, falsificado autos de apreensão para ficarem com malas com tabaco contrabandeado. Terão sido desviadas das placas de recolha de bagagem.