Hospital Padre Américo, em Penafiel, suportava todas as despesas com as viaturas de serviço atribuídas a 11 administradores. Ministério Público abriu inquérito.
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O Ministério Público está a investigar 11 administradores - incluindo o atual presidente, Carlos Alberto, e o antecessor, Carlos Vaz - que, entre 2016 e 2018, integraram o Conselho de Administração do Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa (CHTS), composto pelas hospitais de Amarante e Penafiel. Todos, apurou a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS), usaram os carros de serviço para fins pessoais. Só em pagamento de combustível, portagens e parques de estacionamento, o CHTS foi lesado em quase 63 mil euros.
A ação inspetiva da IGAS concluiu, em janeiro de 2019, que cada um dos 11 administradores tinha um automóvel atribuído, que usava em funções oficiais, mas também para fins pessoais. Era com a viatura cedida pelo CHTS que percorriam, diariamente, o trajeto entre casa e o local de trabalho, viajavam em dias de descanso e até nas férias.
O combustível, portagens e o estacionamento eram sempre pagos pelo hospital e significaram uma despesa de 62 942 euros. Para a IGAS, estes pagamentos podem "consubstanciar uma infração financeira, passível de eventual responsabilidade financeira sancionatória e reintegratória, sem prejuízo de reposição dos montantes ilegalmente recebidos".
Ainda segundo o relatório a que o JN teve acesso, os administradores, contrariamente aos outros profissionais, não preenchiam "boletins diários de utilização de viatura". Aliás, o CHTS não dispunha, como obriga a lei, de um regulamento de utilização de viaturas e apenas em setembro de 2016 os administradores então em funções "subscreveram o acordo de utilização de viaturas". Um documento considerado ilegal.
PJ investiga
A IGAS sustenta que "todos os membros do Conselho de Administração do CHTS estavam sujeitos ao Estatuto de Gestor Público" e, portanto, a utilização de viaturas de serviço para fins pessoais "não tem base legal, apoio jurisdicional ou acolhimento da tutela".
Ao JN, o atual Conselho de Administração, ainda presidido por Carlos Alberto, confirma "que está em curso um inquérito, na sequência de uma ação inspetiva da IGAS". "O referido inquérito está em segredo de justiça, o que impede que sobre ele nos pronunciemos", diz.
O Ministério da Saúde disse ontem ao JN que a IGAS enviou o relatório "para a Diretoria do Norte da PJ, em agosto de 2019, e para o Departamento de Investigação e Ação Penal, em setembro do mesmo ano".
"Estando o processo entregue às autoridades, ao Ministério da Saúde cumpre zelar pelo cumprimento da legalidade nas entidades que se inserem na sua orgânica [...] devendo todas estas adotar medidas que garantam a correta utilização dos recursos", finaliza.
Associação de Administradores contesta posição IGAS
Os administradores do CHTS que estão a ser investigados pelo Ministério Público não concordam com a interpretação efetuada pela IGAS. Para estes, a utilização de viaturas de serviço, mesmo para fins pessoais, está enquadrada na lei em vigor. O JN sabe que alguns dos visados irão sustentar a sua defesa em despachos da Inspeção-Geral de Finanças e do Tribunal de Contas. Também irão recorrer a posições assumidas pela Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares. Num comunicado de 2019, esta entidade já tinha alegado que a interpretação da IGAS sobre o uso de viaturas de serviço "colide não só com aquela que tem sido generalizadamente feita e difundida por diversos órgãos da Administração Central Direta e Indireta (nomeadamente o Ministério das Finanças e o Ministério da Saúde), bem como pela interpretação que tem sido comummente perfilhada por diversos hospitais".
Pormenores
Uso exclusivo
O CHTS tinha, no período em análise, 17 viaturas de serviço, sendo que seis eram para uso exclusivo dos administradores. As restantes estavam disponíveis para "serviços gerais".
Carro com 16 anos
Os administradores conduziam viaturas da marca Audi, Citroën e Saab. A mais antiga tinha sido adquirida em 2002 e a mais recente em 2010.
Abastecia em casa
O Audi A4 atribuído aos presidentes do CHTS gastou, em média, 186 litros de combustível por mês. Em oito meses, Carlos Vaz abasteceu o carro 11 vezes em Bragança, terra da sua morada oficial.
Casa/trabalho
A IGAS defende que o percurso residência/trabalho" feito com o carro de serviço é um "benefício suplementar" ilegal.
Cuidar da imagem
O CHTS justificou a atribuição de carros aos administradores com a necessidade de cuidar da "imagem institucional" do hospital.
Viagens longas
Além das viaturas cedidas aos administradores, o CHTS dispunha de um Renault Laguna para "saídas oficiais" mais longas.
Acompanhamento
O Governo diz que, "por terem sido encontradas situações que importava corrigir, impôs-se um acompanhamento da IGAS".