Apanha ilegal e contrabando para países asiáticos do meixão (enguia bebé) rende milhares de milhões de euros. Europol já considera que esta é uma "ameaça ambiental chave".
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Está aí a época em que o meixão entra nos estuários para subir os rios portugueses, atraindo as redes internacionais de apanha e contrabando das enguias bebé, destinadas sobretudo a países asiáticos. O negócio vale milhares de milhões de euros à escala global e é uma ameaça para esta espécie protegida em vários países da União Europeia (UE), segundo a Europol. As zonas de risco, de norte a sul do país, estão identificadas e a GNR já está no terreno, pronta para atacar em duas frentes: na apanha furtiva e depois na investigação aos cada vez mais sofisticados circuitos usados para levar as enguias clandestinamente para fora do país.
Desde 2020 e até setembro deste ano, a GNR deteve 37 pessoas e identificou 89 por este tipo de atividade ilícita, apreendendo cerca de 230 quilos de meixão que, no mercado negro valeriam um milhão e meio de euros.
De acordo com o mais recente relatório da Europol sobre crimes ambientais, designado "Crimes ambientais na Era das Alterações Climáticas" estima-se que cheguem ao mercado asiático todos os anos cerca de 100 toneladas de meixão que, segundo aquela autoridade policial dão às redes de contrabando entre dois e três mil milhões de euros de lucros. No mesmo documento, a Europol garante ainda que o "tráfico da enguia europeia (Anguilla anguilla) para a Ásia tornou-se uma ameaça ambiental chave na UE".
Fiscalizar e investigar
Em Portugal, a GNR já está no terreno. Segundo fonte oficial da Guarda, a primeira linha de combate será feita "através da fiscalização direta ao pescador que por norma desenvolve a atividade com auxílio de vários apetrechos e técnicas (capinetes e redes e outros) recolhendo os espécimes e vendendo-os aos intermediários". No patamar seguinte está "a investigação, tendo em vista identificar e fiscalizar locais de recetação que dispõem de tanques oxigenados, sendo a partir destes locais que se efetua a exportação/comercialização do meixão".
As pequenas enguias são metidas em sacos de plástico que são acondionados em malas preparadas pelos traficantes e aptos a manterem-nas vivas durante dois a três dias. Depois, seguem para vários países por avião onde são engordadas durante alguns meses, transformando-se numa iguaria vendida a peso de ouro nos restaurantes asiáticos.
A pandemia fez desacelerar o uso deste método em consequência da diminuição de voos comerciais, mas o alívio das restrições faz temer o seu regresso em força e com métodos cada vez mais arrojados para enganar as autoridades. Nalguns casos, já foi detetado o uso de frigoríficos, onde o meixão é identificado como ostras ou outro tipo de marisco.
Relatório
Ameaça ambiental na União Europeia
A Europol considera que o contrabando de meixão implica uma série de crimes que vão desde a pesca ilegal, à fraude, falsificação de documentos, evasão fiscal, branqueamento de capitais e corrupção. O relatório "Crimes ambientais na Era das Alterações Climáticas" refere que "os fluxos financeiros do tráfico de enguias ligam a Europa não só à Ásia, mas também a outros continentes", designadamente a América Central, no branqueamento de lucros. A lavagem é feita, através de companhias geridas por testas de ferro e vários tipos de pagamentos que garantem anonimato, acabando na compra de ouro, propriedades ou artigos de luxo.
À lupa
100 toneladas de meixão são apanhadas todos os anos na Europa e contrabandeadas, garantido aos criminosos lucros de cerca de três mil milhões de euros
Zonas críticas
A GNR tem identificadas zonas vulneráveis em que a apanha de meixão é mais frequente, Entre elas estão as bacias hidrográficas dos rios Minho, Lima, Cávado, Vouga, Mondego, Lis, Tejo, Sado, Mira, Ribeiras do Algarve e Guadiana. Apenas no rio Minho é permitida a apanha, mas condicionada.
Rotas distintas
A Europol já referenciou nos Balcãs, Europa de Leste Norte de África e noutros países entrepostos por onde as enguias passam antes de chegarem ao destino final.
MP recorre de absolvição a grupo liderado por chineses
Uma investigação realizada por uma equipa criada para o efeito pelo Ministério Público (MP) de Lisboa a uma rede criminosa de contrabando de meixão, entre 2018 e 2021, na região de Setúbal e com destino à Malásia, por via aérea, levou ao primeiro julgamento em Portugal por crime de associação criminosa. O grupo era composto por 16 arguidos, entre pescadores e cabecilhas da rede.
Os três líderes, de nacionalidade chinesa, foram absolvidos porque o Tribunal de Lisboa considerou que as provas de vigilância - escutas telefónicas, imagens CCTV, fotografias e localizações por GPS - careciam de autorização judicial e por isso são ilegais. Foram condenados apenas por crimes de dano contra a natureza e contrabando qualificado, a penas suspensas.
O MP já recorreu e criticou os juízes por ignorarem as validações feitas por um juiz de instrução da recolha de provas que serviram para pronunciar os arguidos pelo crime de associação criminosa e para os manter em prisão preventiva, pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
A rede usava armazéns e hospedava em hotéis as "mulas" que transportavam o meixão vivo. Pressionados pela investigação, deitaram fora cerca de 200 quilos de meixão, que valeriam 1,3 milhões de euros.