A agenda anticorrupção que o Governo levou, nesta quinta-feira, a Conselho de Ministros não contempla a criminalização do enriquecimento ilícito, mas inclui um "novo mecanismo de perda alargada de bens", em alguns casos sem condenação, medidas de proteção de denunciantes e alargamento de mecanismos premiais.
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Face ao programa de Governo, deixa de estar prevista no documento a que a Lusa teve acesso uma criminalização do enriquecimento ilícito - que já foi anteriormente travada pelo Tribunal Constitucional -, avançando agora apenas com este novo mecanismo de perda alargada de bens.
De acordo com o sumário das medidas, a agenda assenta em três eixos - prevenção, repressão e educação -, e o executivo pretende aprofundar os instrumentos que levam à perda das vantagens obtidas pela prática de crime, em linha com a legislação comunitária, "assegurando que a perda possa ser declarada relativamente a bens identificados em espécie, por um lado, e que em determinadas condições se possa dispensar o pressuposto de uma condenação por um crime do catálogo", onde se incluem a corrupção, branqueamento de capitais e fraude.
O executivo pretende ainda "regular o enquadramento processual dos mecanismos de perda de bens", nomeadamente "promover a regulamentação adequada de todos os mecanismos processuais que se relacionem com a realidade das criptomoedas", e dinamizar os gabinetes de recuperação de ativos e de administração de bens, admitindo vir a avaliar a sua eficácia e a necessidade de rever o modelo de funcionamento.
Denunciantes protegidos
Na área da investigação criminal, o Governo quer "atualizar o regime legal dos meios de obtenção da prova, designadamente em ambiente digital".
A agenda anticorrupção pretende também alargar o regime de proteção dos denunciantes, "nomeadamente em relação a processos judiciais abusivos ou manifestamente infundados e ainda que não exista relação ou vínculo laboral".
Na legislação atual é considerado denunciante apenas quem "denuncie ou divulgue publicamente uma infração com fundamento em informações obtidas no âmbito da sua atividade profissional, independentemente da natureza desta atividade e do setor em que é exercida".
A agenda admite um "eventual alargamento" dos mecanismos para premiar denunciantes, "nomeadamente que estenda o âmbito material (que crimes são abrangidos) e temporal (até que momento do processo se pode colaborar)", mas ressalva que terá que haver "uma prévia avaliação dos respetivos resultados".
Revisão do Código de Processo Penal
Para garantir maior celeridade nos processos, o documento propõe "uma maior filtragem das denúncias", para que o Ministério Público possa "receber apenas as denúncias relativas a crimes e já devidamente instruídas".
Ainda no âmbito do processo penal, o executivo admite "reequacionar a amplitude e função da fase processual da instrução, nomeadamente no plano da produção de prova e do controlo incidente sobre a matéria de facto" e reforçar os poderes de condução e gestão do processo dos juízes.
O Governo quer também rever o Código de Processo Penal, "nomeadamente em matéria de recursos, identificando práticas processuais inúteis e redundantes", admitindo, por exemplo, que o recurso apenas seja submetido no momento "da decisão que tiver posto termo à causa", e vir a ponderar "uma revisão do modelo de acesso ao Tribunal Constitucional".
O documento revela ainda uma aposta na informatização da tramitação de processos, tratamento de provas e acesso a informação e adianta que a Estratégia Nacional Anticorrupção 2025-2028 será concebida com base na avaliação da atual, "aferindo o grau de execução das medidas aí previstas, avaliando a eficácia das medidas já implementadas e identificando as ainda não implementadas".