Os milhões gerados pela indústria do futebol e os nebulosos circuitos por onde circulam são alvo da atenção do Ministério Público (MP) há anos.
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Só no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), há 50 inquéritos que investigam os negócios dos clubes da primeira e da segunda Liga, pelos negócios mas também por casos de corrupção desportiva. No Fisco, há mais uma centena de processos administrativos, que são, regra geral, resolvidos voluntariamente pelos visados.
A Operação Fora de Jogo, que investiga um alegado esquema de comissões-fantasma milionárias pagas por clubes de futebol, através da emissão de faturas de serviços de intermediação fictícios, é o processo mais complexo, pela dimensão que já atingiu. Agregou seis inquéritos que escrutinam negócios de 500 milhões de euros e têm cerca de 130 arguidos, entre futebolistas, agentes ou intermediários, advogados, dirigentes desportivos, sociedades desportivas e outras pessoas singulares e coletivas. No topo dos clubes sob suspeita estão Benfica, F.C. Porto, Sporting, Braga, Guimarães e Marítimo.
Este megaprocesso começou em 2015 e, cinco anos depois, deu origem à maior operação de buscas de que há memória no Fisco e na Unidade de Ação Fiscal da GNR. O esquema passará pela introdução de terceiros nos negócios entre as SAD dos clubes, jogadores e agentes. São empresas muitas vezes sediadas no estrangeiro, preferencialmente em paraísos fiscais e representadas por um advogado ou por outra sociedade, e que passam faturas de prestação de serviço de intermediação na compra e venda de jogadores de futebol. Para as autoridades, a sua intervenção não é real, servindo apenas para inflacionar os custos do negócio, diminuindo dessa forma o IVA e o IRC a pagar. Por outro lado, as empresas também ajudam a fazer "desaparecer" o dinheiro, aproveitando as contas bancárias offshore, serviço que se estende a verbas pagas a agentes nas transferências. O "superagente" Jorge Mendes é dos principais visados neste inquérito.
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Estes são esquemas muito semelhantes aos investigados noutros processos, incluindo o Cartão Vermelho, que levou à detenção de Luís Filipe Vieira, ex-presidente do Benfica, e do agente de futebol Bruno Macedo. Este empresário, detentor de offshores, por onde é suspeito de fazer circular o dinheiro, é também visado noutra investigação que pretende apurar os destinos de comissões milionárias na transferência de Éder Militão do F. C. Porto para o Real de Madrid.
No DCIAP foi criada uma equipa especial que investiga crimes ligados ao mundo do futebol, em que está envolvida a Unidade Nacional de Combate à Corrupção da Polícia Judiciária. Entre eles está o processo dos e-mails do Benfica, em que o clube da Luz é suspeito de ter criado uma rede de influência para dominar o futebol português, e a investigação sobre o alegado desvio de três milhões de euros em serviços de informática e marketing que nunca terão existido. Mas há também processos por viciação de resultados em jogos na primeira liga e suspeitas de fraude fiscal e branqueamento em clubes de todo o país.
Noutro âmbito, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras tinha no início deste ano 40 inquéritos em curso visando clubes do Campeonato Nacional de Seniores ou de divisões inferiores por crimes de auxílio à imigração ilegal e tráfico de seres humanos relacionados com jogadores estrangeiros. Desde 2019, esta polícia detetou 110 atletas em situação irregular em Portugal.
Uma OPA para as dívidas e comissões para imobiliário no Benfica
Luís Filipe Vieira ainda estava na sua residência do Dafundo, Oeiras, quando, na quarta-feira da semana passada, inspetores do Fisco lhe bateram à porta com os mandados de busca da Operação Cartão Vermelho. Foi o início do fim do reinado de Vieira no Benfica e o arranque de um processo judicial que o acusa de ter desviado dinheiro do clube com transferências, de montar uma OPA para compensar o amigo José António dos Santos ("Rei dos Frangos"), que o financiava, e de ter criado um buraco de 47 milhões de euros no Fundo de Resolução.
"Sereno e tranquilo". Foi assim que o advogado Magalhães e Silva descreveu o estado de espírito do arguido Luís Filipe Vieira, após ter passado a primeira noite numa cela da PSP. Mas o argumentário, as provas, as escutas e vigilâncias que o procurador Rosário Teixeira reuniu terão tirado o sono ao então presidente do Benfica, que suspendeu o mandato enquanto ainda estava sob detenção, renunciando, dias depois, quando já estava em prisão domiciliária.
A primeira acusação que enfrentou foi a de ter montado um esquema em conluio com o agente Bruno Macedo para inflacionar ou até inventar custos e serviços nas transferências de três jogadores. Seriam 2,5 milhões de euros que saíram das contas do Benfica e que Macedo fez circular por offshores, antes de servirem para adquirir casas a imobiliárias controladas por Luís Filipe Vieira e também para passar a controlar uma das suas empresas, que era gerida pelo filho, Tiago Vieira. Terão sido subtraídos 1,2 milhões à SAD encarnada, de mais-valias das vendas dos jogadores Derlis González e Cláudio Caniza, além de 1,3 milhões com o atleta César Martins.
O dinheiro do Benfica foi parar a empresas controladas por Macedo, envolvendo um complexo circuito financeiro que passava por offshores nos Estados Unidos da América, Emirados Árabes Unidos e Tunísia, além de um banco do Panamá.
Golpe de milhões
O Ministério Público também indiciou Vieira de ter dado um golpe ao Fundo de Resolução, através da compra da dívida de 54 milhões de euros que a Imosteps tinha com o Novo Banco. Esta dívida acabou por ser indiretamente adquirida por Vieira por nove milhões, financiados pelo "Rei dos Frangos". Para isso, terão constituído um fundo de capital de risco e comprado a dívida a um fundo abutre americano, que poderia ter penhorado todos os bens de Vieira, por ser avalista pessoal dos empréstimos.
Terá sido para compensar o "testa de ferro financiador" que Vieira promoveu a oferta pública de aquisição de 25% das ações da SAD do Benfica, entretanto cancelada pela CMVM. Se a operação tivesse sucesso, José dos Santos, que tinha comprado ações a um euro, poderia vendê-las por cinco, lucrando cerca de dez milhões de euros. Com a operação cancelada, Vieira procurou outros investidores, nomeadamente nos EUA, tentando fazer com que ações atingissem um preço a rondar os oito euros, enquanto o amigo continuou a adquirir títulos do Benfica.