Homicida de Bruno Candé: "Ele não disse nada, não dei tempo. Passei-me dos carretos e pumba"
Idoso confessa no julgamento que descarregou arma sobre ator negro, mas nega racismo. Insultos foram relatados por várias pessoas.
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O idoso acusado de, em julho do ano passado, ter matado Bruno Candé, em Moscavide, Loures, confessou, no primeiro dia do julgamento, que atingiu o ator a tiro com pelo menos três tiros à queima-roupa, já depois de este estar ferido e prostrado aos seus pés.
Evaristo Marinho, de 77 anos e acusado de homicídio agravado pelo ódio racial, negou, contudo, ter proferido, nos dias anteriores ao crime, insultos racistas contra Candé, português negro nascido em Lisboa. A garantia foi contrariada por várias testemunhas, que, ontem, relataram que ouviram o suspeito, branco, chamar "preto de merda" ao ator e mandá-lo para a sua terra e para a "sanzala".
No Tribunal de Loures, Marinho, preso preventivamente, começou por contar que tudo começou quando, a 22 de julho, discutiu com Candé, de 39 anos, por causa da cadela do ator. Segundo o arguido, Candé terá reagido mal depois de o idoso ter tentado fazer uma festa na cabeça do animal.
"Levantei-me e o indivíduo começou a chamar-me "filho da puta" e "puta da tua mãe". Após uma acesa troca de palavras, o ator terá pedido a Marinho para se ir embora. "Eu disse: "vou-me embora, mas nunca mais te voltas a meter comigo"".
O encontro seguinte aconteceu, de acordo com o homicida confesso, dois dias depois. "Eu ia distraído e o indivíduo barrou-me o caminho e começou a agarrar-me". Mas não terão chegado a agredir-se. O assassínio aconteceu no dia seguinte, sábado, sem que fosse proferida qualquer palavra.
"Mau pressentimento"
"Começou a rir-se para mim e eu levei aquilo como sendo gozo. Depois deu-se o desastre", contou Marinho. O primeiro tiro foi disparado a "metro e meio de distância, se tanto", e fez Candé cair do canteiro em que estava sentado. Já com este prostrado aos seus pés, desferiu mais cinco na sua direção, "até descarregar a arma": "Ele não disse nada, porque não lhe dei tempo. Passei-me dos carretos e pumba."
Na acusação, o Ministério Público sustenta que Marinho andou três dias com a arma para matar o ator, mas, ontem, o assassino confesso contrapôs que só pegou na pistola naquele dia.
"Tive um pressentimento de que ia acontecer qualquer coisa má", justificou. Questionado pelo tribunal sobre o porquê de, face a esse "pressentimento", não ter evitado a rua onde sabia que Candé iria estar, acrescentou que "era o mau pressentimento" que o "estava a chamar para ali". Acabou por ser, após o crime, manietado por populares.
Na quinta-feira, assegurou que chegou a sentir medo do ator, mas, em tribunal, foram várias as testemunhas que o ouviram, nas altercações anteriores, a ameaçar a vítima e não o contrário. Apesar de Candé o ter mandado "para o caralho", acrescentou que não lhe batia por Marinho "ter idade" suficiente para ser o seu pai.
"Era um filho como nunca mais vou ter", lamentou, no tribunal, a mãe do ator.
Pormenores
Mãe em lágrimas
A mãe de Bruno Candé não conseguiu conter o choro ao recordar, em tribunal, o filho, que lhe ligava todos os dias. Cadi Marques, de 70 anos, soube da morte dois dias depois do crime. Está medicada desde então.
Via que era africano
Confrontado com o alegado racismo, o arguido respondeu que "apenas" sabia que Candé era "africano". "Conhece-se bem ao longe. Aliás, o meu genro também é indiano", disse.
Juíza deixou aviso
Evaristo Marinho disse, em tribunal, lamentar "tudo o que se passou". A forma "desprendida" como falou foi realçada por uma das três juízas que o estão a julgar.