O Ministério Público sustenta, na acusação aos três inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras suspeitos de terem matado à pancada um cidadão ucraniano no Aeroporto de Lisboa, que, além dos três arguidos, houve outros elementos daquele organismo que esconderam das autoridades judiciais o que acontecera.
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"Os arguidos e outros inspetores do SEF tudo fizeram para omitir ao Ministério Público os factos que culminaram com a morte do ofendido, chegando ao ponto de informar ao magistrado [...] que o ofendido foi acometido de doença súbita", sublinha, na acusação, o procurador titular do inquérito.
Ihor Homeniuk, de 40 anos, morreu às 18.40 horas de 12 de março, no Centro de Instalação Temporária do Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, onde aterrara dois dias antes, proveniente de Istambul, na Turquia.
Inicialmente, o óbito - declarado pelo INEM - foi atribuído a uma "paragem cardiorrespiratória presenciada após crise convulsiva", mas, segundo a autópsia, a causa foi outra: asfixia mecânica, presumivelmente decorrente das agressões sofridas horas antes.
Algemado e amarrado
Segundo o despacho, eram 8.15 horas do dia 12 quando os três inspetores agora acusados de homicídio qualificado se deslocaram à sala onde, na noite anterior, Ihor Homeniuk fora deixado em isolamento e manietado (ler caixa). À entrada, um deles terá dito à vigilante para não registar os seus nomes: Luís Silva, de 44 anos, Bruno Sousa, de 42, e Duarte Laja, de 47.
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Os inspetores terão então algemado as mãos do ucraniano atrás das costas e amarrado os seus cotovelos com ligaduras. Em seguida, tê-lo-ão atingido em todo o corpo com um "número indeterminado de socos e pontapés". Já prostrado no chão, Ihor Homeniuk terá continuado a ser espancado no tronco, incluindo com um bastão extensível.
Vinte minutos depois, os arguidos abandonaram a sala. Terão deixado o ofendido deitado de barriga para baixo, "algemado e com os pés atados por ligaduras". Um deles terá dito: "agora ele está sossegado"; "hoje, já nem preciso de ir ao ginásio", terá exclamado outro.
Passaram mais de sete horas até que Ihor Homeniuk fosse visto por outros dois inspetores. O objetivo seria fazê-lo embarcar de regresso a Istambul, mas, nessa altura, já o ucraniano não reagia. O óbito foi declarado no local. Teria nódoas negras em todo o corpo e as costelas partidas. O tórax fora pressionado contra o solo. Asfixiara lentamente até à morte.
Seguranças foram os primeiros a amarrar ucraniano
O MP acredita que foram dois vigilantes da empresa de segurança que presta serviço nas instalações do SEF no aeroporto os primeiros a amarrar - "sem autorização e competência para tal" - Ihor Homeniuk. Depois de, a 10 de março, ser impedido de entrar em Portugal, alegadamente por não ter visto de trabalho, o cidadão ucraniano ainda chegou a ir ao hospital na sequência de uma queda. Regressou ao Centro de Instalação Temporária, onde, no final de dia 11, foi transferido para um sala, onde ficou em isolamento. Estaria agitado. Inicialmente, foi deixado com um colchão, um lençol, cobertor e almofada, mas, já depois de um médico ter recomendado que voltasse ao hospital - o que não aconteceu - terá sido manietado pelos vigilantes, com "fita adesiva à volta dos tornozelos e dos braços". Dois inspetores do SEF terão substituído as fitas por lençóis nos braços, mas só mais tarde um vigilante terá libertado estes membros. Nenhum dos envolvidos nestes factos, anteriores às agressões fatais, foi acusado pelo MP.
Pormenores
Arma proibida
Dois dos três inspetores do SEF foram ainda acusados de detenção de arma proibida, por possuírem bastões extensíveis. Desde março que o trio aguarda o desenrolar do processo em prisão domiciliária.
Extraída certidão
O MP mandou extrair certidão para que se investigue, noutro inquérito, a prática de "eventuais crimes de falsificação de documento" no âmbito deste caso.
Diretor demitiu-se
O diretor e o subdiretor de Fronteiras do Aeroporto de Lisboa demitiram-se após o caso ser conhecido. Há mais de dez processos disciplinares em curso.