O presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), juiz conselheiro João Cura Mariano, considera que a inteligência artificial (IA) e o desenvolvimento tecnológico evoluem a passos largos e que nada impedirá de entrarem nos tribunais, defendeu esta sexta-feira, ao JN, no Centro Nacional de Inovação Jurídica (CNIJ), em Bragança, onde decorre até amanhã uma conferência sobre o tema.
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Por seu turno, o procurador-geral da República, Amadeu Guerra, destacou, no seu discurso, que "o futuro é auspicioso" no que respeita ao uso da IA, prevendo-se "uma autêntica revolução na justiça", face à possibilidade "de simplificação de processos e celeridade processual, contribuindo para a resolução de um dos mais crónicos problemas" dos tribunais.
Amadeu Guerra acredita que a IA pode resultar na mais rápida e efetiva triagem de elementos de prova nos processos, onde a aposta é na automatização, por exemplo de notificações, citações e outras formalidades processuais.
A celeridade na justiça é um dos aspetos positivos que estes recursos tecnológicos podem trazer, no cumprimento de despachos ou nas notificações. "Tem imensas vantagens, em termos de celeridade, objetividade e até segurança jurídica na jurisprudência", enumerou João Cura Mariano, alertando que, "se é assim um instrumento tão bom, a certa altura vai pôr-se a questão sobre se poderá substituir o homem".
Foto: Vítor Hugo Niceas
"É uma questão ética importante. Quando o homem se demitir de julgar o seu semelhante, a sociedade estará muito perto do seu fim", vaticinou o juiz conselheiro, que defende ser necessário refletir sobre estes assuntos porque a grande questão é saber "se a máquina vai controlar" o ser humano.
Porém, é preciso que o Estado invista para dotar os tribunais de meios tecnológicos. Amadeu Guerra tem esperança que a IA "ajude na fundamentação das decisões e na facilidade de identificação de casos similares ou padrões decisórios, bem como na pesquisa e análise da legislação".
ChatGPT usado a título particular
Ainda que seja difícil prever o futuro, a IA, através do ChatGPT, já vai sendo usada "particularmente" por alguns juízes e funcionários judiciais. "Pode fazer quase tudo o que é burocrático, é uma questão de investimento. A questão mais pertinente é relacionada com o ato de julgar, mas pode ajudar na redação, pesquisa de fontes e, um dia, até poderá intervir no apuramento da prova. No ato de julgar, o juiz tem de manter o sentido critico", sublinhou Cura Mariano.
Há o risco de que a IA possa pôr em causa postos de trabalho, um problema que o presidente do STJ admite, lembrando que atualmente os sindicatos se queixam de falta de pessoal nos tribunais.
O procurador-geral da República disse que é preciso fazer "uma reflexão aprofundada sobre processos específicos que deverão ser implementados de forma realista e pragmática". Por seu turno, o bastonário da Ordem dos Advogados, João Massano, adiantou que, em breve, vai iniciar-se um projeto de literacia jurídica, que começará em Trás-os-Montes.
A conferência "Inteligência Artificial e Tribunais" reúne, em Bragança, juízes, magistrados do Ministério Público, académicos, investigadores e profissionais envolvidos na transformação digital da Justiça, para refletir sobre o impacto das tecnologias emergentes.
A iniciativa é organizada conjuntamente pelo Conselho Superior de Magistratura e pelo Centro Nacional de Inovação Jurídica, em parceria com a Câmara Municipal de Bragança, e conta com o apoio institucional da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, da Universidade do Minho, da Universidade de Lisboa e do Ministério Público.