O juiz Ivo Rosa anunciou esta sexta-feira, no final do debate instrutório da Operação Marquês, que não irá, para já, agendar uma data para comunicar se o ex-primeiro-ministro José Sócrates e outros 27 arguidos vão (ou não) a julgamento e, se sim, em que termos.
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A lei prevê que tal aconteça em dez dias, mas, atendendo à dimensão e à complexidade do processo, o magistrado do Tribunal Central de Instrução Criminal, em Lisboa, considerou que seria "humanamente impossível" proferir uma "decisão justa" num prazo tão curto.
Num despacho proferido, excecionalmente, em direto pelas televisões, Ivo Rosa lembrou que o processo é composto por milhares de páginas, centenas de horas de inquirições a arguidos e testemunhas e milhões de ficheiros. Elencou, ainda, todos os factos que estão em análise.
Só o ex-primeiro-ministro está acusado, no total, de 31 crimes de corrupção, branqueamento de capitais, falsificação de documento e fraude fiscal, 30 dos quais em coautoria com um pelo menos um dos restantes arguidos.
Entre eles está Carlos Santos Silva, amigo e, para o Ministério Público, testa de ferro de Sócrates. Segundo a acusação, o antigo governante (2005-2011) terá acumulado 24 milhões de euros, alegadamente obtidos de forma ilícita, nas contas de Santos Silva.
Para os procuradores, a fortuna será resultado de subornos de, ao todo, 34 milhões de euros pagos pelo grupo Lena, por Ricardo Salgado - à data dos factos presidente do Banco Espírito Santo (BES) - e pelo empreendimento Vale do Lobo, no Algarve.
Em causa estariam, alegadamente, o favorecimento da construtora no concurso para a obra do TGV e nas relações na Venezuela, a subjugação do Estado na Portugal Telecom (PT) aos interesses do Grupo Espírito Santo e a nomeação para a Caixa Geral de Depósitos de Armando Vara. Este último terá depois beneficiado o resort algarvio num negócio considerado ruinoso para o banco público. A prática dos atos tem sido negada pelos arguidos.
Além de Sócrates, Salgado, Santos Silva e Vara são ainda arguidos neste processo Zeinal Bava e Henrique Granadeiro, ex-administradores na PT, entre outros.
Os atos têm sido negados pelos visados e, já no debate instrutório - destinado à apresentação de conclusões pelas partes -, os advogados da generalidade dos arguidos pediram que os seus clientes sejam ilibados já nesta fase, por falta de provas e questões processuais. Já o procurador Rosário Teixeira, que liderou o inquérito, requereu que o processo siga para julgamento para que exista um "cabal esclarecimento" dos factos.
Esta sexta-feira, Ivo Rosa admitiu que o "direito a uma decisão judicial em prazo razoável" está consagrado na Constituição, mas ressalvou que "é consensual que a demora na conclusão de um processo, ou de uma fase processual, nem sempre é um mal, podendo ser adequado à defesa dos direitos individuais e coletivos dos cidadãos, bem como à realização da justiça".
"Este é o tempo da justiça e para se fazer justiça, num caso como este, é necessário este tempo. O juiz, mesmo em sede indiciária, nunca poderá aceitar o risco de decidir em função do que parece ser ou do que pensa ser, mas sim sempre em resultado do que sabe ser e, mais do que isso, do que consegue justificar", sublinhou.
"O juiz de instrução terá de apreciar e analisar de forma crítica toda a prova constante dos autos e a partir daí fazer um juízo de antecipação que se traduz no seguinte: perante estes elementos de prova o arguido seria condenado?", explicou o magistrado, precisando que só se a resposta for sim é que "estarão reunidos os pressupostos para um decisão de pronúncia".
"Não se trata, como já ouvimos alguém defender, de uma maior ou menor percentagem de condenação", frisou.
Antes, sustentara já que "a submissão de alguém a julgamento não constitui um ato inócuo e de menor importância, quer para o visado, quer para o sistema de justiça". "Não podemos ignorar o ato vexatório que um julgamento representa, para além de todos os encargos inerentes ao assegurar uma defesa, bem como para os contribuintes ao terem de suportar o funcionamento de uma estrutura complexa, por vezes longa, de julgamento", afirmou.
O dia para a comunicação da decisão instrutória será, assim, anunciado em "data oportuna".
A acusação da Operação Marquês foi deduzida pelo Ministério Público em outubro de 2017, quase três anos depois de Sócrates ter sido detido no aeroporto de Lisboa. As diligências da instrução tiveram, por sua vez, início em janeiro de 2019. Já em março de 2020, começou o debate instrutório, mas as diligências acabaram por estar suspensas até junho devido à pandemia de covid-19.