Ex-primeiro-ministro foi detido há seis anos. Sindicato do Ministério Público e Ordem dos Advogados divergem quanto a forma de acelerar megaprocessos.
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José Sócrates e restantes 27 arguidos acusados na Operação Marquês deverão ficar a saber no primeiro trimestre do próximo ano se vão, ou não, a julgamento e, se sim, em que termos, apurou o JN. Este sábado, assinalam-se seis anos desde que o ex-primeiro-ministro (2005-2011) foi detido, a 21 de novembro de 2014, ao aterrar no Aeroporto de Lisboa. Em causa estão crimes, entre outros, de corrupção e branqueamento de capitais, alegadamente praticados entre 2006 e 2014.
Desde o início de 2019 que decorre no Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC), em Lisboa, a instrução do processo. No fim do debate instrutório, a 3 de julho deste ano, o juiz Ivo Rosa alegou que, dada a complexidade da Operação Marquês, seria "humanamente impossível" proferir uma "decisão justa" no prazo de 10 dias previsto na lei e remeteu para "data oportuna" o anúncio de quando é que aquela seria comunicada. Quatro meses e meio depois, subsiste o silêncio.
Questionada pelo JN, fonte oficial do Conselho Superior da Magistratura (CSM), órgão de gestão e disciplina dos juízes, escusou-se a revelar para quando está prevista a decisão instrutória. "O CSM não tem competência em matéria jurisdicional. A pergunta tem de ser feita ao juiz", justificou.
Já sobre o prazo da exclusividade atribuída a Ivo Rosa para se dedicar à Operação Marquês - determinada pelo CSM - disse apenas que a situação se mantém "até ser proferida decisão". O JN tentou contactar esta sexta-feira à tarde, via TCIC, o magistrado, mas não obteve resposta em tempo útil.
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Ainda assim, ao que o JN apurou, a previsão é de que a decisão instrutória seja conhecida somente no próximo ano, até 31 de março.
Ainda pode durar anos
Além de Sócrates, 63 anos, são também arguidos Ricardo Salgado, de 76 anos e antigo presidente do Banco Espírito Santo, e os ex-administradores da Portugal Telecom (PT) Zeinal Bava, de 55 anos, e Henrique Granadeiro, de 76. Carlos Santos Silva, 61, empresário e amigo do ex-primeiro-ministro, é igualmente figura central.
Segundo a acusação do Ministério Público (MP), Sócrates terá guardado nas contas do amigo mais de 20 milhões de euros presumivelmente obtidos de forma ilícita, para assim esconder que era o seu proprietário. Os montantes regressariam à sua esfera com recurso a diversos esquemas, incluindo entregas em numerário e compra de património.
Santos Silva está acusado, no total, de 33 crimes económicos-financeiros, 29 dos quais em coautoria com Sócrates. Garantem, desde o início, ser inocentes.
Certo é que, independentemente daquela que vier a ser a decisão de Ivo Rosa, o processo não chegue ao fim já no próximo ano. A avaliar por outros megaprocessos, o expectável é, até, que se prolongue por vários anos.
Sem se pronunciar sobre a Operação Marquês, o bastonário dos Advogados, Luís Menezes Leitão, atribui à dimensão dos megraprocessos o facto de ser necessário tanto tempo para haver um desfecho. Propõe, por isso, que os factos sejam separados por vários inquéritos.
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Uma solução que não agrada ao líder do Sindicato dos Magistrados do MP. "Há processos que, se forem espartilhados, perde-se a visão de conjunto. Há processos que podem ser divididos. Isso não é fácil de determinar", contrapõe António Ventinhas, que, entre outras medidas, pede mais meios de assessoria técnica.
28 arguidos, incluindo nove empresas, a quem foram imputados 188 crimes económico-financeiros. A maioria requereu a abertura da instrução.
161 volumes, com 60127 folhas. Há ainda 480 apensos bancários, 141 temáticos e 213 de buscas e 87 pastas de transcrições de interceções telefónicas.
425 horas de inquirições, na fase de inquérito, a 229 testemunhas e 19 arguidos. Na instrução, houve mais 133 horas de audições e 39 de alegações.
Do TGV à Venezuela
O processo abrange temas tão diversos como o concurso do TGV, os negócios da PT e as relações com a Venezuela.
Várias justificações
A classificação como "empréstimos" do dinheiro usado por Sócrates e a lembrança de que as decisões na PT aconteceram em assembleia-geral têm sido argumentos das defesas.
Questões formais
As advogados apostam ainda em questões formais, como a suposta ilegalidade do processo administrativo na origem ao inquérito, para fazer cair a acusação.