Tribunais decidiram não aplicar regime especial que atenua penas a jovens. Crime foi cometido em escola de Lisboa.
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Um adolescente foi condenado a cinco anos e meio de prisão por, dois meses após completar 16 anos, ter esfaqueado um colega de turma no pescoço. Foi punido por tentativa de homicídio e não beneficiou do regime penal aplicável a jovens que poderia mantê-lo fora da cadeia. O crime ocorreu em novembro de 2023, numa escola profissional de Lisboa, e a pena foi, agora, confirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça.
A meio de uma tarde de escola, todos os alunos da turma do 2.° ano de um curso profissional foram expulsos da aula de Cidadania e alguns jovens reuniram-se no pavilhão à espera da lição seguinte. Entre conversas, um dos convivas, de 17 anos, aproximou-se de um colega e mostrou-lhe, pelo telemóvel, imagens de uma rede social. “Tu falas que a minha mãe é boa, olha aqui para a tua”, disse.
O filho da mulher (acompanhante de luxo de profissão) que aparecia no telemóvel não gostou da provocação e a discussão só terminou com a chegada da diretora de turma. Nessa ocasião, o rapaz, de 16 anos, foi ter com a professora e avisou-a de que iria matar o colega. Depois, abandonou a escola com destino a casa.
Facadas e pontapés
Porém, pelo caminho, entrou num centro comercial, comprou duas facas de cozinha e regressou ao estabelecimento de ensino. Passados cerca de 15 minutos, estava novamente no pavilhão e dirigiu-se ao colega de turma que o tinha provocado. “Vem aí”, convidou e entrou na casa de banho. O outro jovem seguiu-o.
“Imediatamente a seguir, o arguido empunhou as facas que adquirira e, com uma delas, desferiu um golpe na zona cervical esquerda do assistente [colega de turma]”, deram como provado os juízes do Tribunal de Lisboa, onde o crime foi julgado. O ofendido ainda conseguiu fugir e refugiar-se atrás de uma docente por breves momentos. Mas seria esfaqueado pela segunda vez quando, ao tentar escapar do pavilhão, tropeçou e caiu. “Nesse momento e quando se estava a levantar, o assistente foi alcançado pelo arguido, que lhe desferiu um novo golpe com a faca, desta feita no pescoço”, lê-se no acórdão. A vítima foi atingida igualmente com um pontapé na cabeça antes de um colega de ambos agarrar o agressor.
Sem atenuante
Pelas 17 horas, o adolescente seria detido na residência da família, indicou o local onde tinha abandonado a faca e foi posto em prisão preventiva. Em outubro do ano passado, foi condenado a cinco anos e meio de prisão e ao pagamento de uma indemnização de 15 mil euros ao colega que tentou matar e ainda de 2734 euros ao hospital onde este esteve internado 15 dias.
Os juízes não o beneficiaram com o regime penal aplicável a jovens entre os 16 e os 21 anos e a sua defesa recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça. Os advogados sustentaram que o adolescente estava integrado antes da detenção, tem apoio familiar e está arrependido do crime. Impunha-se, portanto, a aplicação do regime favorável aos jovens e a suspensão de uma pena de três anos e meio.
Os juízes conselheiros não concordaram com a tese da defesa.
Perfil
Perda afetiva
O adolescente condenado é filho de pais separados e, lê-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, “sofreu uma perda afetiva significativa” quando, aos dez anos, a madrasta morreu.
Descontrolo
À morte da madrasta sucedeu-se um período marcado pela “dificuldade em gerir as emoções de tristeza, associadas a frequentes ataques de pânico”. “O descontrolo emocional que apresentou na altura foi determinante para o seu acompanhamento no serviço de psicologia do hospital”.
Aproximação à mãe
A morte da madrasta também levou o adolescente a intensificar “os contactos com a mãe biológica”, situação que o jovem avaliou como “negativa, por ter tomado conhecimento da atividade profissional daquela como acompanhante de luxo”.
Conflituoso
Salienta o tribunal que o jovem “envolvia-se várias vezes em conflitos, dos quais resultavam agressões verbais e, por vezes, físicas”. “Em algumas situações, foram aplicadas medidas disciplinares corretivas e sancionatórias”. Já em prisão preventiva, registou duas infrações disciplinares.
Reinserção
Rugby na cadeia
Em abril deste ano, a cadeia de Leiria celebrou um protocolo com a equipa Lobos de Leiria e o Comité Regional de Rugby do Centro para ensinar a modalidade aos jovens reclusos.
Canta ópera
Em Leiria, o adolescente condenado integrou o projeto “Ópera na Prisão”. Também frequenta consultas de psiquiatria.
O que vale prender um adolescente? Especialistas divergem
Deve um adolescente, de 16 anos, cumprir pena de prisão? As opiniões dividem-se consoante os casos e as vantagens ou malefícios que o encarceramento terá na reinserção de um jovem em fase de desenvolvimento mental.
O presidente do Sindicato dos Técnicos da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, Miguel Gonçalves, sublinha que “cada caso é um caso”. E se já “houve uma altura em que achava que era precoce prender um jovem de 16 anos”, agora considera que há situações que o levam a admitir “a diminuição da idade mínima para o internamento em centros educativos [atualmente fixada nos 12 anos] e, consequentemente, da idade mínima” para prender um jovem. Lembra, a este respeito, que o adolescente de Lisboa, se tivesse 15 anos à data da tentativa de homicídio, cumpriria pelo mesmo crime apenas dois anos de internamento em centro educativo. Punição que, diz, seria provavelmente demasiado branda para a gravidade dos factos.
“Prisões são armazéns”
O técnico, com experiência a lidar com delinquência juvenil, diz ainda que o aluno deverá ser preso no estabelecimento prisional de Leiria para jovens, onde “as respostas de reinserção são adequadas” a menores delinquentes. “Fazem atividades inovadoras e ligadas ao desporto, música e teatro. Também é uma cadeia dotada de mais recursos, nomeadamente técnicos de reinserção”, exemplifica.
Já para o psicólogo Carlos Poiares, a não aplicação do regime especial para jovens “a um rapaz de 16 anos é uma má decisão”, que poderá “arrasar-lhe a vida e abrir-lhe o caminho da criminalidade”. “As prisões são armazéns de delinquência e tenho dúvidas que saia melhor do que entrou. Será vencido pelo sistema, mas não convencido”, defende.
Carlos Poiares entende que, “até aos 20 anos, o cérebro está em formação” e, assim sendo, “a via da repressão não é solução para a reinserção”. “Tinha de ser objeto de trabalho terapêutico e educativo” para poder “ser reprogramado como indivíduo”.
Neste ponto, psicólogo e técnico encontram-se. “Mais de metade dos jovens não são só delinquentes, são também doentes. E é preciso tratá-los”, alerta Miguel Gonçalves.