Morte de fundador do BPP não trava investigação sobre branqueamento, falsificação, descaminho e desobediência, visando a mulher e ex-motorista.
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A morte de João Rendeiro na cadeia de Westville, na África do Sul, não vai travar a investigação da Polícia Judiciária (PJ) que visa recuperar todo o património que o ex-banqueiro tentou esconder ou desviar da Justiça. São os imóveis que passaram para a esfera da família do ex-motorista do casal Rendeiro, contas em bancos portugueses, mas essencialmente ativos financeiros espalhados por offshores. A investigação já detetou diversas contas em paraísos fiscais, tituladas pelo ex-patrão do BPP.
A investigação, chamada "D"arte asas", aberta em meados de outubro pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), já está numa fase muito adiantada. O inquérito começou depois de ter sido tornado público o alegado esquema de branqueamento e descaminho de obras de arte, envolvendo Maria de Jesus e João Rendeiro, o ex-motorista Florêncio de Almeida e o seu pai, mas rapidamente tentou ir atrás dos milhões que o ex-banqueiro poderia ter escondido no estrangeiro.
De acordo com informações recolhidas pelo JN, foram detetadas pelo menos seis offshores tituladas pelo agora falecido. As autoridades portuguesas devem pedir informações sobre o saldo dessas contas bancárias através da cooperação internacional. Para já, sabe-se apenas que, antes do descalabro do BPP, Rendeiro terá escondido pelo menos sete milhões de euros num único paraíso fiscal. Todos os valores que forem encontrados nos offshores serão alvo de arresto preventivo. Deverão ser transferidos para Portugal por ordem judicial para ficar à disposição do processo, que levou à detenção de Maria de Jesus Rendeiro, atualmente em prisão domiciliária numa propriedade de luxo.
Transações suspeitas
A investigação começou depois de virem a público os negócios de compra e venda de propriedades entre os Rendeiro e Florêncio de Almeida, presidente da ANTRAL (associação de taxistas) e o filho deste, que foi motorista de Rendeiro até 2008. Estas transações poderão ter sido simuladas na tentativa de evitar que o património fosse entregue aos credores do BPP.
O primeiro negócio foi celebrado no início de 2015, com Florêncio de Almeida a comprar a Rendeiro dois imóveis, em Campo de Ourique, e dois terrenos na Murtosa, por 500 mil euros. Apenas um dos imóveis de Lisboa doado por Florêncio ao filho foi mais tarde vendido com uma mais-valia de 1,3 milhões de euros. Uma semana depois de ter recebido o dinheiro, comprou ao casal a casa na Quinta Patiño por um milhão. Três meses mais tarde, cedeu-lhes o direito de usufruto da casa, durante 15 anos, por cerca de 200 mil euros. Para acautelar os interesses do Estado em eventuais condenações, a procuradora mandou então arrestar o imóvel. Em causa também está o descaminho de 18 obras de arte arrestadas, avaliadas em milhões de euros, apreendidas em 2010 a Rendeiro.
Os processos do ex-patrão do BPP
Prisão efetiva por manipular contas
A primeira condenação de Rendeiro prende-se com a adulteração de contabilidade do banco de investimento, entre os anos 2001 e 2008. Foi sentenciado com cinco anos e oito meses de prisão. Também foram condenados os ex-administradores Paulo Guichard, que já estava no Brasil, e Salvador Fezas Vital, assim como os antigos quadros Fernando Lima e Paulo Lopes.
Mais dez anos por desvio de 31 milhões
Após uma nova acusação, em janeiro de 2016, o Tribunal de Lisboa condenou João Rendeiro, em maio de 2021, a mais dez anos de cadeia. Outros três ex-administradores do BPP também foram condenados, por terem desviado do banco, entre 2003 e 2008, mais de 31 milhões de euros. Foram interpostos recursos para a Relação, onde o processo ainda se encontra.
Burla a embaixador também vale cadeia
Em setembro do ano passado, o Tribunal de Lisboa condenou o ex-presidente do BPP a uma pena de prisão efetiva de três anos e meio, por ter burlado um embaixador que, em 2008, investira, ao engano, 250 mil euros em obrigações de caixa. No dia da sentença, soube-se que Rendeiro estava em fuga.
Obras vendidas
Maria de Jesus, que era fiel depositária das obras, é suspeita do desvio das peças. Oito delas terão sido vendidas por 1,3 milhões de euros e quatro quadros terão sido substituídos por cópias.
PJ recupera arte
A Unidade Nacional de Combate à Corrupção da PJ já recuperou várias obras de arte, que o casal terá vendido. Duas foram detetadas em galerias no estrangeiro.
Buscas em casas
Este inquérito levou à detenção de Maria de Jesus Rendeiro e à realização de buscas nas casas da família Florêncio de Almeida, suspeita de ser cúmplice.