Dois médicos e uma enfermeira do Hospital de Vila Real, que foram investigados por suspeita de ofensas à integridade física por negligência, no caso da mulher a quem foi deixado um dreno de 17 centímetros no peito em 2014, não vão a julgamento.
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Um dos advogados da família da vítima, Emília Fernandes, disse ao JN que estão a ser consideradas as hipóteses de interpor ainda um recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, ou de intentar uma ação de responsabilidade civil contra o hospital, por danos causados à doente. Contudo, acrescentou, "é preciso avaliar com os advogados dos demais assistentes" (vários familiares têm este estatuto no processo).
"A culpa não pode morrer solteira", protesta Maria dos Anjos Fernandes, uma das filhas da doente nascida na Guarda e falecida em 2021.
Sem relação de causa-efeito
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Após o arquivamento do inquérito-crime pelo Ministério Público (MP) em março de 2019, foi requerida a abertura de instrução. Mas, a 22 do mês passado, o juiz concluiu a instrução com um despacho de não pronúncia dos três arguidos. E a argumentação de ambas as decisões foi convergente, dado que o MP já tinha dito que a falha dos profissionais de saúde na deteção do dreno não tinha uma relação de causa-efeito sobre os males que a ofendida sofreu depois. "A mera omissão do dever de cuidado não basta para que se verifique negligência", ratificou ainda o despacho instrutório.
A posição do MP e do juiz de instrução foi legitimada por dois pareceres do Instituto de Medicina Legal que não encontraram a relação de causa-efeito entre a presença de um dreno no peito da doente oncológica e a septicemia que esta sofreu depois. Um relatório foi produzido na fase de inquérito e o outro em sede de instrução.
Pese embora a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde tenha, após a denúncia pública do caso, responsabilizado disciplinarmente a radiologista do Hospital de Vila Real que não identificou o dreno quando submeteu a doente a um exame de TAC (tomografia axial computorizada), passaram sete anos sem que, até hoje, tenha havido condenação criminal ou civil de quem quer que seja. E mesmo a sanção disciplinar foi impugnada por aquela médica com sucesso no Tribunal Administrativo de Mirandela. Valeu ali o parecer do conselho médico-legal, que pôs em causa as conclusões do processo disciplinar e afastou a ideia de que tivesse havido uma conduta contrária às "legis artis".
Já no caso da enfermeira que visitou a doente em casa após a colocação do dreno e do médico que a consultou antes dos tratamentos de quimioterapia, o conselho médico concluiu que "não houve o devido cuidado", mas que isso não foi causa direta da septicemia.
A doente sobreviveu a esta infeção generalizada, nunca mais saiu da cama até morrer, com 80 anos, em maio de 2021.
Pormenores
Operação a cancro
Emília Fernandes foi operada a um cancro da mama em 3 de fevereiro de 2014, em Vila Real. A 25 de fevereiro, queixava-se de dores e foi-lhe posto um dreno para retirar líquido.
Dreno absorvido
O dreno foi absorvido e deixou de ser visível. Em março de 2014, um oncologista pediu uma TAC torácica, abdominal e pélvica. Mas a radiologista também não viu o dreno.
Septicemia
O dreno só foi descoberto no IPO de Coimbra, em setembro de 2014. Sensivelmente na mesma altura, a doente sofreu uma septicemia, a que sobreviveu, mas nunca mais saiu da cama e morreu em 2021.