O Tribunal Central Administrativo do Norte revogou este mês a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que tinha determinado que um agente fosse expulso da PSP após ter agredido violentamente a esposa, causando-lhe a morte. Para os juízes, a sanção disciplinar de demissão foi desproporcional.
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"É manifestamente desproporcionada a sanção disciplinar expulsiva, de demissão, aplicada a um agente da PSP por violência doméstica, pela prática de um crime de ofensas à integridade física grave, pelo qual foi condenado em processo-crime, mas sem qualquer ligação objetiva com as suas funções", lê-se no acórdão de 4 de outubro de 2023, a que o JN teve acesso, assinado pelos juízes Rogério Martins, Isabel Costa e Fernanda Brandão.
O caso remonta a 30 de agosto de 2004. Nesse dia, após chegar a casa, pelas 21.30 horas, o agente agrediu a esposa a murro, por esta, completamente alcoolizada, lhe ter dito antes que "bêbada é a put* da tua mãe".
Em tribunal, o arguido, que à data dos factos já se encontrava em situação de pré-aposentação da PSP, disse estar arrependido e pediu perdão aos familiares da vítima. Acabou condenado, em 2007, pelo Tribunal de Vila Franca de Xira a seis anos de prisão por um crime de ofensa à integridade física grave, qualificada pelo resultado. Um ano depois, recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, que negou provimento ao recurso.
Em 2009, a PSP abriu-lhe um processo disciplinar. "A conduta do arguido por inviabilizar a manutenção da relação funcional é punível com a pena disciplinar de demissão", lia-se na acusação. Mas a defesa do agente contestou, alegando que o polícia era inimputável. No entanto, a PSP mostrou-se irredutível e, alegando que o arguido não foi considerado inimputável e que a imagem da Polícia tinha ficado prejudicada, expulsou-o em 2010: "A pena de demissão parece adequada à gravidade da infração cometida, uma vez que com a sua conduta o arguido violou gravemente os deveres profissionais, sendo lesivo e ofensivo à imagem da PSP", lê-se no despacho.
Inconformado, o arguido interpôs uma ação para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela contra o Ministério da Administração Interna, na qual pedia que fosse declarada nula a sanção disciplinar de demissão. Mas a 7 de outubro de 2022 este tribunal julgou improcedente a ação. O polícia recorreu então para o Tribunal Central Administrativo do Norte que revogou no mês passado a decisão.
"Não se vê em que medida os factos apurados em sede disciplinar, os que foram apurados também em sede criminal, muito graves, é certo, comprometem de forma irreversível o exercício de funções, requisito necessário, para além da moldura penal do crime ou da pena aplicada ao caso concreto, para a aplicação de uma sanção disciplinar expulsiva", lê-se no acórdão.
Para os juízes Rogério Martins, Isabel Costa e Fernanda Brandão, tratam-se de factos do foro pessoal, ocorridos no seio familiar e que nenhuma relação objetiva apresentam com o exercício de funções policiais.
"Não consta dos autos que o arguido tenha usado a arma de serviço (ou outra) nem qualquer objeto ligado ao exercício de funções para agredir a ex-esposa nem usado ou invocados poderes de autoridade para ameaçar ou coagir a vítima. Também não existe a possibilidade de uso excessivo ou criminoso da força física no exercício das funções que estavam atribuídas ao arguido", argumentaram.
Os magistrados recordaram ainda que o agente "estava na situação de pré-aposentado pelo que, por força de norma legal expressa, tal sanção não lhe poderia ser aplicada."
"Pela gravidade dos crimes que cometeu o requerente já pagou a sua dívida à sociedade com a pena criminal que lhe foi aplicada e executada. Não se ponderou - que para além de se tratarem de factos não relacionados, objetivamente, com o exercício de funções, pelos quais já foi sancionado criminalmente -, a falta de antecedentes criminais ou disciplinares, a par dos louvores atribuídos, a imporem, manifestamente, uma segunda oportunidade ao agente", concluiram.
Colega exemplar
O arguido era considerado pelos colegas de profissão como um colega exemplar. Recebeu louvores de serviço, um elogio pelo seu comandante e ainda um louvor em 1984, pelo ministro da Administração Interna, bem como diversas condecorações por comportamento exemplar, assiduidade e serviços distintos.
Perda dos filhos
Em tribunal, ficou provado que o polícia teve baixas psiquiátricas e foi, por diversas vezes, observado no Posto Clínico da PSP por síndrome depressivo, acabando por deixar de trabalhar, estando pré-aposentado. Os conflitos tidos com a mulher agudizaram-se, sobretudo, a partir da perda de dois filhos de ambos.