Associação sindical entende que o Conselho Superior da Magistratura não tem "competência legal" para escrutinar o conteúdo de acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa sobre quarentenas nos Açores.
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A Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) decidiu, esta sexta-feira, manifestar "a sua firme oposição à decisão do Conselho Superior da Magistratura de analisar, para efeitos disciplinares, o acórdão proferido no Tribunal da Relação de Lisboa, em 11 de novembro de 2020, sobre o caso dos «turistas nos Açores obrigados a quarentena pelas autoridades sanitárias dessa região autónoma»".
"O Conselho Superior da Magistratura não tem competência legal para analisar o conteúdo, forma ou oportunidade processual da fundamentação das decisões judiciais para efeitos disciplinares", sustenta a associação sindical presidida pelo desembargador Manuel Soares, por entender que "isso constitui uma intromissão administrativa ilegítima na atividade jurisdicional de administração da justiça, constitucionalmente atribuída aos tribunais, e uma grave violação da sua independência".
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Em causa está um acórdão das desembargadoras Margarida Ramos de Almeida e Ana Paramés sobre o recurso, interposto pela Autoridade Regional de Saúde dos Açores, de uma decisão de um tribunal de primeira instância que, apreciando um pedido de habeas corpus de quatro turistas alemães sujeitos quarentena, ordenara a libertação imediata dos requerentes.
Aquelas desembargadoras concluíram que o referido recurso era "inadmissível, por falta de legitimidade e de interesse em agir por parte da recorrente", mas não deixaram de apreciar o seu objeto. Além disso, tomaram partido sobre aspetos e divergências do mundo científico, pondo em causa a fiabilidade dos testes PCR, para despistagem da covid-19, de forma que veio a ser criticada por vários especialistas médicos.
Perante a decisão do órgão disciplinar dos juízes de apreciar aquele acórdão da Relação de Lisboa no plenário agendado para 2 de dezembro, a direção da ASJP reuniu-se, esta sexta-feira, e tomou uma deliberação onde começa por conceder que "todas as decisões judiciais são suscetíveis de crítica pública", ou "impugnáveis (...) por via de arguição de nulidade ou de recurso para os tribunais superiores e para o tribunal constitucional".
De resto, "todos os juízes são objeto de inspeções periódicas ou extraordinárias que avaliam e classificam as qualidades de adaptação ao serviço, capacidade humana para o exercício da função e competência técnica", lê-se também na deliberação da ASJP, a que o JN teve acesso.
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O que a associação sindical não admite é que, pelo facto de a decisão judicial "se tornar objeto de atenção pública ou até de crítica, por mais legítima que possa ser", o Conselho Superior da Magistratura venha assumir alegados "poderes de exceção não previstos na lei" para a escrutinar de uma perspetiva disciplinar.