Desembargadoras de Lisboa afirmam que legitimidade para restringir liberdades só pode vir de autoridade judicial ou do Parlamento, através dos estados de emergência ou de sítio.
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O Tribunal da Relação de Lisboa considerou ilegais as ordens de isolamento ou de quarentena emanadas da Autoridade de Saúde (AS), no âmbito da contenção da pandemia da covid-19, durante o estado de alerta. Só uma autoridade judicial ou regras decorrentes dos estados de emergência ou de sítio, decididas pelo Parlamento, podem, assim, conferir poder à AS para restringir as liberdades de qualquer cidadão. A interpretação jurídica desta decisão do tribunal, datada da passada quarta-feira, promete gerar polémica, mal termine o atual estado de emergência.
As magistradas Margarida Ramos de Almeida e Ana Paramés foram chamadas a decidir um recurso interposto pela Administração Regional de Saúde (ARS) dos Açores sobre um pedido de libertação imediata (habeas corpus) de quatro turistas alemães que, em agosto, tinham sido proibidas de sair do quarto de hotel, em isolamento profilático, pela Autoridade de Saúde.
Validação
Dando razão ao tribunal de primeira instância, que libertou os turistas, os juízes desembargadores de Lisboa argumentam que a decisão da ARS dos Açores correspondia a uma detenção ilegal e alargou a ilegalidade a todas as ARS do país, por estas entidades não terem poder legal para restringir as liberdades das pessoas.
"Na verdade, face à Constituição e à Lei, não têm as autoridades de saúde poder ou legitimidade para privarem qualquer pessoa da sua liberdade - ainda que sob o rótulo de "confinamento", que corresponde efetivamente a uma detenção - uma vez que tal decisão só pode ser determinada ou validada por autoridade judicial, isto é, a competência exclusiva, face à Lei que ainda nos rege, para ordenar ou validar tal privação da liberdade, é acometida em exclusivo a um poder autónomo, à Magistratura Judicial", explica o acórdão a que o JN teve acesso.
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As magistradas vão mais longe e afirmam que qualquer pessoa ou entidade que profira uma ordem de privação da liberdade física, ambulatória, independentemente de lhe chamar confinamento, isolamento, quarentena ou resguardo profilático "que se não enquadre nas previsões legais, designadamente no disposto no art.º27.º da CRP e sem que lhe tenha sido conferido tal poder decisório, por força de Lei - proveniente da Assembleia da República, no âmbito estrito da declaração de estado de emergência ou de sítio", "estará a proceder a uma detenção ilegal, porque ordenada por entidade incompetente e porque motivada por facto pelo qual a lei a não permite".
Dão como exemplo fenómenos de saúde pública como a infeção por HIV e por tuberculose, que nunca levaram ninguém a ser privado da sua liberdade.
"Não será difícil admitir e aceitar que a turbulência legislativa gerada em torno da contenção da propagação da COVID-19 teve - e continuará a ter - na sua razão de ser a proteção da saúde pública, mas nunca esta turbulência poderá ferir de morte o direito à liberdade e segurança e, em última análise, o direito absoluto à dignidade humana", defendem os juízes da Relação.
Testes poucos fiáveis
No mesmo acórdão, as magistradas colocam também em causa a fiabilidade dos testes PCR: "Face à atual evidência científica, esse teste mostra-se, só por si, incapaz de determinar, sem margem de dúvida razoável, que tal positividade corresponde, de facto, à infeção de uma pessoa pelo vírus SARS-CoV-2", referem, baseando-se em recentes estudos da Universidade de Oxford, Inglaterra, segundo os quais a probabilidade de falsos resultados positivos é de 97% ou superior. Por isso, consideram nem sequer existir uma base médica para a ordem de isolamento ou quarentena.
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Tribunal dos Açores ordenou a libertação de quatro turistas alemãs
A 1 de agosto, quatro turistas alemães chegaram aos Açores com testes negativos realizados 72 horas antes no seu país. Mas, sete dias depois, realizaram novo teste porque uma das mulheres adoeceu e acabou por testar positiva. A Autoridade de Saúde local proibiu-as de saírem do quarto de hotel. Interpuseram um habeas corpus que o Tribunal açoriano aceitou. O juiz explicou que "a privação da liberdade não foi, entre o seu início, em 8 de agosto, e a data da submissão para apreciação do "habeas corpus", sujeita a qualquer escrutínio judicial". A Autoridade de Saúde recorreu.