Iludiam jovens jogadores de futebol brasileiros, com a promessa de que em Portugal os ajudariam a subir na carreira e a encontrar um clube onde jogar, mas as promessas nunca se cumpriam. Em troca, pediam-lhes dinheiro. O esquema, que fez várias vítimas, em 2018, começou ontem a ser julgado no Tribunal de Aveiro.
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Dois cidadãos brasileiros, um português e o Sport Clube Carqueijo, da Mealhada, respondem pelos crimes de auxílio à imigração ilegal e de falsificação de documentos.
Florentino Vieira, ex-dirigente do Sport Clube Carqueijo, Anílton Júnior e Anderson Novaes – os dois últimos cidadãos brasileiros – são arguidos no caso que terá lesado vários jovens futebolistas oriundos do Brasil. Florentino e Anílton, presentes ontem no Tribunal de Aveiro, recusaram-se a prestar declarações, assim como Alcides Pereira, atual presidente do clube.
No caso de Anderson Silva, apontado pelos jovens como o homem que os recebia, em Lisboa, aquando da chegada ao aeroporto – vindos do Rio de Janeiro –, pediu para que o julgamento ocorresse na sua ausência, por se encontrar a residir no estrangeiro.
Na primeira sessão em tribunal, foram ouvidas as gravações dos depoimentos das vítimas – que atualmente já se encontram de regresso ao Brasil –, prestados em 2019, aquando da denúncia do esquema.
Os testemunhos foram todos semelhantes: em território brasileiro, os jovens jogadores eram abordados por um alegado empresário, que os convencia a viajarem para Portugal, onde iriam ser ajudados a ter sucesso no mundo do futebol. Em troca, eram pedidas aos futebolistas quantias que, segundo o Ministério Público (MP), variavam entre os 1100 e os quatro mil euros. “Cobrou-me 12 mil reais [cerca de 2250 euros] para pagar a passagem, alimentação e estadia”, recordou Lucas, uma das vítimas, à época com 20 anos.
No avião em que Lucas viajou, seguiram, segundo contou, mais 22 jovens futebolistas. E, à chegada ao Aeroporto de Lisboa, aguardava-os Anderson Novaes, com um autocarro que os levou para as instalações do Atlético Clube de Famalicão, em Anadia, onde ficaram alojados, ainda que não tivessem jogado ali futebol.
Um mês depois, 14 desses jogadores terão sido, segundo a acusação, colocados ao serviço do Sport Clube Carqueijo. E transferidos para uma habitação de tipologia T1, na Mealhada, sem condições. “Vivíamos eu e mais 10. Nunca assinei nenhum contrato para jogar nem nunca me pagaram nada”, contou outro dos jogadores.
De acordo com o MP, a alimentação fornecida era escassa, sendo providenciada apenas de 15 em 15 dias e constituída, essencialmente, por massas e enlatados.
Todos os jogadores terão entrado em território nacional com visto de turista, que tem validade apenas de três meses. A partir desse prazo, para se manterem regulares em Portugal, alguns tiveram que arranjar emprego, por exemplo, em fábricas. E dizem não ter tido qualquer auxílio para regularizar a sua situação.
O MP entende que devem ser declarados, a favor do Estado, 23 300 euros, que correspondem às quantias que terão sido entregues pelos futebolistas aos dois homens brasileiros que articularam a sua vinda para Portugal.