Justiça de mãos atadas para travar violência contra vítimas que não querem proteção
Mulheres pedem ao tribunal para reverter medidas de coação aos agressores e recusam usar dispositivos que acionam pulseira eletrónica. Sandra morreu, em Penafiel, dois meses após perdoar companheiro violento.
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Quando as vítimas de violência doméstica recusam as medidas de proteção decretadas pelos tribunais, pouco ou nada pode ser feito pelo sistema judicial para evitar novas agressões. Foi o que aconteceu no caso de Sandra Rocha, assassinada alegadamente pelo companheiro, que esta semana foi detido pela terceira vez e ficou em prisão preventiva.
Maria (nome fictício), de 42 anos, não sofreu consequências tão dramáticas, após ter pedido ao juiz que permitisse que o homem que a atingiu com três murros na cabeça regressasse a casa sem a pulseira eletrónica. Mas voltou a ser espancada por um homem, sete anos mais novo, que foi agora condenado a três anos e meio de prisão.
O casal partilhava habitação, no concelho de Paredes, desde fevereiro do ano passado. E a relação sempre se pautou pela violência. Logo em março de 2021, a mulher foi obrigada a trancar-se no quarto para não ser agredida. Não fez queixa, por temer que as ameaças de morte fossem concretizadas, mas, em maio, Artur empurrou-a para cima da cama, colocou-se com os joelhos sobre o seu tronco e desferiu-lhe três murros na cabeça. Maria perdeu os sentidos.
Um vizinho do casal chamou a GNR e o agressor foi detido no mês seguinte. O juiz impôs a Artur uma pulseira eletrónica, para o manter afastado da vítima.
Mas, no mesmo dia, a vítima requereu, por escrito, que as medidas de coação fossem revogadas, porque queria continuar a "namorar" com o agressor. "Sei que foi um ato isolado e que ele se arrependeu de imediato. Quero estar com ele", justificou.
Após ouvir a vítima, o tribunal permitiu o regresso de Artur a casa. Mas este, já acusado de violência doméstica, protagonizou novo episódio violento, em janeiro deste ano. E voltou a ser proibido de contactar a companheira, tendo para isso de usar pulseira eletrónica.
Ordem judicial ineficaz
Pela segunda vez, a vítima recusou-se a usar o dispositivo eletrónico que acionaria um alarme perante a aproximação da pulseira do arguido. E, sem as autoridades o saberem, o casal continuou a partilhar casa. Mas um relatório social entregue ao tribunal assinalaria que "a dinâmica familiar continuava a ser pautada pela conflitualidade, com referências por parte da ofendida aos comportamentos agressivos assumidos por Artur".
A semanas do fim do julgamento, por força de nova ordem judicial, Artur saiu de casa. Mas conservou "contactos regulares com a ofendida, com a conivência da mesma".
No mês passado, finalmente, Artur foi condenado a três anos e meio de prisão efetiva e a pagar quatro mil euros à vítima.
Abandonada na mata
O caso de Sandra Rocha, 32 anos, foi ainda mais dramático. A mulher começou a ser vítima de violência doméstica quando vivia em Espanha e, agredida pelo companheiro, de 40 anos, perdeu um filho. No verão de 2021, quando a Justiça espanhola proibiu os contactos entre ambos, Sandra aceitou fugir com o agressor para Portugal. Mas o espanhol Daniel Serre não mudou. Continuou a agredi-la de forma brutal, chegando a arrastá-la pela rua.
Em dezembro último, o homem foi detido pela GNR e de novo proibido de se aproximar da vítima. Tinha de usar pulseira eletrónica, mas Sandra recusou o dispositivo eletrónico que alertaria para a proximidade de Daniel Serre e aceitou mesmo que este voltasse para casa.
No último dia de fevereiro, o cadáver de Sandra foi encontrado numa mata em Penafiel. E, na quinta-feira, Daniel foi detido pela Judiciária. Um juiz pô-lo em prisão preventiva, indiciando-o do homicídio.