Tribunal deu razão a trabalhadores impedidos, por não terem mestrado, de concorrer a vagas para licenciados.
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O Tribunal da Relação de Lisboa considerou ilegal a exclusão, sem qualquer outro critério, de licenciados pós-Bolonha sem mestrado feita pela CP - Comboios de Portugal, em 2019, no acesso a um recrutamento interno para licenciados técnicos. Em causa está a discriminação daqueles trabalhadores face a colegas que, apesar de não serem mestres, foram aceites no procedimento, por terem tirado a licenciatura antes do Processo de Bolonha, implementado em 2006, e que, entre outros aspetos, reduziu a duração dos cursos superiores.
A decisão, recente, fala em "preconceito" por parte da empresa pública e confirma a posição que tinha sido tomada pelo Tribunal do Trabalho. Contactada pelo JN, a CP escusou-se a esclarecer se irá reabrir o procedimento em causa e abdicar da distinção em concursos futuros, alegando que está "a ponderar" recorrer e, por isso, não se quer pronunciar sobre o tema.
O caso remonta a dezembro de 2019, quando a transportadora publicitou internamente a abertura de seis vagas para licenciados técnicos. No anúncio, definiu que só funcionários com licenciatura pré-Bolonha ou com licenciatura e mestrado pós-Bolonha poderiam candidatar-se aos lugares.
Três interessados - licenciados depois de 2006 e sem mestrado - foram excluídos, por não cumprirem o requisito. O Sindicato Nacional dos Quadros Técnicos decidiu então ir, em sua representação, para tribunal. O objetivo era apenas um: que o trio de funcionários da CP pudesse participar no processo de seleção para funções na área de compras, controlo e apoio à gestão da empresa.
A pretensão foi aceite pelo Tribunal do Trabalho de Lisboa, mas a transportadora apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa.
Lei não distingue
No recurso, a CP alega que o próprio Quadro Nacional de Qualificações permite diferenciar os "níveis diferentes de conhecimento" dos cidadãos, "como são os que decorrem de uma licenciatura pré e pós-Bolonha". Defende, por isso, que os funcionários excluídos "não foram objeto de tratamento discriminatório". E sustenta que a decisão de primeira instância é, essa sim, inconstitucional.
"A sentença recorrida é materialmente inconstitucional por violação do princípio da igualdade, ao considerar que os candidatos habilitados com a licenciatura posterior ao processo de Bolonha estão no mesmo plano que os habilitados com aquela licenciatura e ainda com mestrado", afirma. O argumento não convenceu, porém, os juízes desembargadores.
"Comportando a ordem jurídica nacional licenciaturas obtidas antes e depois do referido Processo de Bolonha, e tendo sido feita uma clara opção política pela reorganização dos cursos superiores, não se nos afigura válido ou plausível distinguir categorias de licenciados pelo simples facto de uns terem obtido o respetivo grau antes ou depois daquele processo", frisam, no acórdão, os magistrados.
Os juízes confirmaram, assim, a obrigatoriedade de a CP admitir os queixosos no procedimento, de modo a avaliar, a par dos restantes candidatos, se têm competência para ocupar as vagas em disputa.
Pormenores
Orientação contrária
O requisito imposto pela CP em 2019 foi contra uma deliberação, em 2010, do Conselho de Administração, que definira que qualquer licenciado poderia aceder à carreira em causa.
Privou-se de avaliar
O Tribunal do Trabalho defendera que, ao excluir licenciados pré-Bolonha, a empresa se privou de avaliar se o licenciado pré-Bolonha é realmente mais apto.
Não é definitiva
A decisão poderá ainda ser alterada, caso a transportadora recorra mesmo para o Supremo.
Perguntas
Como nasceu e o que é o Processo de Bolonha?
Trata-se de uma reforma destinada a concretizar o Espaço Europeu do Ensino Superior, baseada na Declaração de Bolonha, assinada a 19 de junho de 1999, naquela cidade italiana. O princípio-base é o reconhecimento mútuo dos graus obtidos em cerca de 50 países europeus.
Que graus são e quando foram implementados?
De licenciado, de mestre, e de doutor, cada um correspondente a um ciclo de estudos (licenciatura, mestrado, doutoramento). Em alguns cursos, o primeiro e o segundo ciclos são integrados. Em Portugal, a reforma foi oficializada em março de 2006 e incluiu um período de transição.
O que mudou na organização dos cursos?
Desde logo, o modelo de ensino, com a transmissão passiva de conhecimentos a ser substituída pelo desenvolvimento de competências. Cada curso passou a corresponder a um determinado número de créditos, conferidos em quantidades distintas pelas diferentes "cadeiras". Na prática, a duração da generalidade das licenciaturas passou de quatro para três anos.