Redes internacionais dedicadas à prática de burlas informáticas no estrangeiro estão a usar Portugal para, através da criação de empresas de fachada, lavar os lucros obtidos com aqueles crimes.
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Só desde janeiro, a Polícia Judiciária (PJ) detetou a movimentação, nesse âmbito, de pelo menos 15 milhões de euros - o dobro da quantia intercetada em todo o ano passado. A PJ atribui a preferência das organizações à "facilidade de criação de empresas proporcionada pelo sistema "Empresa na Hora"", mas a ligação é rejeitada pelo Ministério da Justiça.
"O Ministério da Justiça desconhece a relação causal entre o balcão "Empresa na Hora", que existe desde 2005 e não dispensa ato presencial, e o crime organizado", sublinha, em resposta ao JN, a tutela. O ministério liderado por Francisca Van Dunem lembra, ainda, que o recurso àquele serviço "em nada altera os pressupostos da constituição de sociedades civis ou comerciais reguladas por lei".
Em funcionamento há 15 anos, o balcão permite criar, num único momento, sociedades comerciais por quotas, unipessoais por quotas e anónimas. Para tal, basta, no procedimento mais simples, escolher uma firma de uma lista pré-aprovada, entregar, até 15 dias depois da constituição da empresa, a declaração do início de atividade e ter já depositado ou comprometer-se a depositar o capital social.
Será esta "vantagem competitiva de Portugal" de, no mesmo dia, criar uma empresa e abrir contas bancárias que, de acordo com a PJ, será "aproveitada" por associações criminosas da Europa do Leste ou da África subsariana para lavar o dinheiro obtido com burlas informáticas sobre residentes nos Estados Unidos, França e Itália.
Escritórios virtuais
Na prática, estas redes contratam criminosos para criar empresas de fachada com contas bancárias associadas (ler texto na página ao lado). Estas são depois creditadas com quantias com origem em todo o Mundo e encaminhadas, por sua vez, em parcelas mais pequenas, para territórios como Hong Kong, Nigéria ou Turquia.
"As empresas são quase sempre sociedades unipessoais que não têm, após a constituição e abertura das contas, quaisquer atividades", descreve ao JN a Judiciária, precisando que, geralmente, são sediadas "em escritórios virtuais ou moradas falsas". Já as contas são abertas em vários bancos, "por norma" uma em cada.
O fenómeno, "com três/quatro anos", sofreu um "incremento significativo" a partir do primeiro semestre de 2017. Entre janeiro de 2018 e 22 de julho deste ano, foram abertos 252 inquéritos, dos quais resultaram 37 acusações.
Ao todo, foram detetados 22,5 milhões de euros. O valor não inclui dados de 2018 e refere-se apenas a investigações abertas nos anos em questão. "O total será certamente maior", conclui a PJ, que deteve oito indivíduos este ano.
Comunicações por branqueamento aumentaram em 2019
O Departamento Central de Investigação e Ação Penal do Ministério Público recebeu no ano passado, segundo o relatório anual deste organismo, 7019 comunicações de operações bancárias suspeitas, que originaram a abertura de 326 inquéritos. São mais 1308 denúncias do que em 2018. Ainda assim, o montante global de operações suspensas foi inferior ao de 2018. Enquanto em 2019 foram abrangidos 43,93 milhões de euros, 2,56 milhões de dólares americanos e 560 mil libras esterlinas, no ano anterior tinham sido afetados 156,93 milhões de euros, 106,52 milhões de dólares e 180 mil libras esterlinas.