Cláudia Simões – a cidadã luso-angolana que se queixa de ter sido repetidamente agredida num carro-patrulha, em 2020, por um agente da PSP, na Amadora – desabafou esta quarta-feira, no início do julgamento, que se sentiu “humilhada” com a situação” e só pensa em deixar Portugal.
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“Quando acabar este processo, eu vou sair deste país”, afirmou, no Tribunal Criminal de Sintra, a mulher, de 46 anos, cuja detenção numa paragem do autocarro foi, na altura, parcialmente captada em vídeo e partilhada nas redes sociais.
O processo conta, no total, com quatro arguidos: três elementos da PSP – um pelas alegadas agressões e dois por nada terem feito para as impedir – e a própria Cláudia Simões, por ter mordido o agente ao ser detida.
Esta quarta-feira, aquela e o polícia acusado das agressões – Carlos Canha, de 48 anos –, apresentaram versões díspares do sucedido na noite de 19 de janeiro de 2020, depois de a filha da mulher, então com sete anos, se ter esquecido em casa do passe do autocarro.
Numa sessão com cerca de meia centena de pessoas na assistência, maioritariamente em apoio de Cláudia Simões, a cidadã luso-angolana garantiu que estava prestes a chegar a casa quando foi agarrada por trás, pelo colarinho, por Carlos Canha, que só mais tarde percebeu ser agente da PSP.
"Se não mordesse, morria"
“Eu disse ‘eu não fiz nada’. Ele disse-me ‘vocês nunca fazem nada’. E começou a puxar-me de costas para a paragem. A minha filha começou a puxar-me a mão, a chorar”, contou. Já na paragem, o arguido terá começado a “apertar-lhe o pescoço”, para a obrigar a sentar-se. A certa altura, terá sido derrubada. “Se eu não mordesse o braço dele, eu morria”, acrescentou.
Em seguida, já com outros agentes no local, terá sido empurrada para dentro do carro-patrulha, para ser levada à esquadra. “Quando arrancou, começou logo a bater-me. [...] Chamou-me p***, vaca, macaca. [...] Só socos na cara. Começou a arrancar-me o cabelo”, descreveu, salientando que ainda hoje é obrigada a usar peruca.
Na esquadra, terá sido “puxada” do carro e novamente “atirada ao chão”. “Deram-me pontapés na cara”, assegurou, apontando o meio da testa como a zona onde foi atingida. No final, as algemas foram retiradas e os bombeiros chamados.
Sobre o porquê da detenção, Cláudia Simões disse incialmente não ter sido informada do porquê. Mais tarde, referiu que Carlos Canha mencionou que estaria “ilegal” em Portugal e que o terá ouvido a falar numa suposta ameaça, que nega, ao motorista.
Agente nega acusação
Esta quarta-feira, o agente da PSP confirmou que foi este o motivo para a abordagem, mas negou tudo o que a luso-angolana alega. Segundo Carlos Canha, tudo terá decorrido normalmente até ter pedido a identificação a Cláudia Simões, que esta ter-se-á recusado a fornecer.
A certa altura, a mulher terá ido na sua direção, e caíram “os dois ao chão”, onde a imobilizou. No processo, admitiu, a mulher “tocou no chão com a cara, várias vezes”. “Tentei que não tocasse”, ressalvou. Depois, entrou no carro-patrulha.
"[Até à esquadra], ela chamou-me nomes, que eu agira de má-fé e que não ia ficar assim. Só lhe toquei para colocar o cinto de segurança”, disse. Depois, terá entrado na esquadra e nada terá visto.
Pormenores
Assistida no hospital
Em 2020, Cláudia Simões ficou com marcas visíveis na cara, foi assistida no hospital e ficou impedida de trabalhar durante “três meses”. Passou ainda a sair menos de casa e fica com “medo” sempre que vê polícias na rua.
Tirou peruca
Esta quarta-feira, a cidadã luso-angolana tirou a peruca que usa, para mostrar “o cabelo todo arrancado à volta da cabeça”. A advogada de Carlos Canha pediu que o fizesse uma segunda vez, o que indignou as dezenas de apoiantes que assistiram na sala à sessão.
Mais sessões
O julgamento prossegue na próxima quarta-feira, 15 de novembro de 2023, com o depoimento dos restantes arguidos, de 29 e 32 anos. Seguiam no carro-patrulha e terão ignorado as alegadas agressões do colega a Cláudia Simões.