Relatório de Segurança exige mais rigor e vigilância aos bancos. Bruxelas acusa Portugal de não transpor diretiva antibranqueamento e faz ultimato.
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Os cartões pré-pagos são um meio cada vez mais frequente no branqueamento dos lucros milionários das máfias e também para financiar atividades criminosas e terroristas. O fenómeno é global e está a disseminar-se em Portugal, segundo o último Relatório Anual de Segurança Interna (RASI), que exige aos bancos maior rigor na regulamentação deste tipo de transações.
Mas, mesmo com estes alertas, Portugal não transpôs, de forma integral, para a lei nacional a diretiva europeia que impõe regras rígidas à compra e utilização deste tipo de cartões.
Numa notificação de 19 de maio, a Comissão Europeia (CE) acusa as autoridades nacionais de mentir relativamente à 5.ª Diretiva de Branqueamento de Capitais, aprovada em maio de 2018. "Apesar de Portugal ter declarado a transposição completa da diretiva, a CE considera que várias disposições não foram, de facto, transpostas", salienta.
A CE explica que uma das lacunas sinalizadas refere-se "às obrigações das instituições de crédito e financeiras no que respeita aos cartões pré-pagos anónimos emitidos em países terceiros" e ameaça que, "sem uma resposta satisfatória de Portugal no prazo de dois meses, a CE poderá instaurar uma ação no Tribunal de Justiça da União Europeia".
Um mês após este aviso, o RASI destacava o recurso das organizações criminosas a este método de branqueamento de capitais e financiamento de crimes. "Outra dificuldade prende-se com a disseminação em Portugal de cartões de crédito pré-pagos", lê-se no documento que reúne as preocupações das polícias.
O RASI defende, aliás, que "seria importante que a Banca regulamentasse de forma mais rigorosa a emissão de cartões pré-pagos", que "são cada vez mais usados como meio para transferir fundos das vítimas".
Milhões de cartões
Ao JN, fonte oficial da Polícia Judiciária (PJ) confirma que os cartões pré-pagos são "uma solução complementar das organizações criminosas para o branqueamento de capitais". "Podem escapar ao controlo das autoridades e fazem com que se perca o rasto do dinheiro. Face à opacidade do sistema, é mais difícil qualquer atuação policial", explica.
A PJ já identificou a utilização destes cartões por grupos criminosos (num dos casos estavam na posse de "mulas" que traficavam droga) e alega, por isso, que quanto maior controlo houver sobre estas transações financeiras mais difícil será a vida dos criminosos.
Ao JN, a CE afirma que "a informação partilhada com as autoridades nacionais no referido processo é confidencial" e recusa tecer comentários. Sobre a matéria, o Ministério da Justiça frisa que a mesma é da responsabilidade das Finanças que, até ao fecho desta edição, não respondeu às questões enviadas.
BdP confia na lei nacional
Já o Banco de Portugal (BdP) informa que, no nosso país, 3511 milhões de cartões pré-pagos movimentaram 1,6 mil milhões de euros em 2020. "Portugal, desde 2017, tem adotado um quadro normativo até mais restritivo do que aquele que resulta da Diretiva (UE) 2018/843, não prevendo o ordenamento jurídico nacional qualquer derrogação aos deveres de identificação que permita a utilização anónima de pré-pagos, ao invés do que sucede naquela diretiva de harmonização mínima", declara o BdP.