Especialistas defendem que penas suspensas ou pagar multas não tem efeito dissuasor. Em 2021, 390 condutores foram para a cadeia. Criminalidade na estrada a aumentar.
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No ano passado, mais de três mil pessoas (3064) foram condenadas a cumprir pena de prisão - efetiva, suspensa ou substituída - por terem cometido pelo menos um crime rodoviário. Os dados do Ministério da Justiça, disponibilizados ao JN, mostram um aumento nos últimos três anos, nem sempre consecutivo. João Clemente, jurista e membro da MUBi - Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta, afirma haver uma "perceção social de que a criminalidade nas estradas não é punida, o que não é verdade".
Em comparação com 2019 (2870), no ano passado houve um crescimento de 6% das condenações que envolveram qualquer tipo de prisão por crimes rodoviários. Apesar de ter havido menos pessoas presas em 2020, (2394) - o que pode estar relacionado com a atividade condicionada dos tribunais no primeiro ano de pandemia -, os números voltaram a aumentar em 2021, uma subida na ordem dos 27%.
Sensação de impunidade
Entre os tipos de pena de prisão, a suspensa é a mais aplicada pelos tribunais de primeira instância quando se trata de crimes rodoviários. Uma situação que João Clemente acredita transmitir a ideia de que os arguidos "não são punidos" e de que "não se veem como criminosos". Os tipos de crimes mais cometidos são a condução sem habilitação legal e a condução de veículo em estado de embriaguez.
Em meados de novembro, num webinar sobre justiça e sinistralidade rodoviária, Maria José Fernandes, procuradora-geral-adjunta, admitiu que as penas suspensas carregam uma "sensação de impunidade", já que "o arguido pensa: "fiquei bem"", embora tenha cometido um crime na condução e potencialmente lesado outra pessoa.
Na prática, a pena suspensa, que não pode ser aplicada em penas superiores a cinco anos, tem em conta a personalidade do arguido, as suas condições de vida e o tipo de crime cometido. Podem-lhe ser impostos outros deveres e regras de conduta pelo juiz. A revogação da suspensão acontece caso haja uma reincidência.
Se se analisar o total de condenações por transgressões de âmbito criminal nas estradas em 2021 (15 662), verifica-se que apenas 2,5% (390 pessoas) foram efetivamente para a cadeia. Face a 2019, quando foi imputada prisão efetiva a 435 condutores, percebe-se que este tipo de punição desceu em 2020 e subiu em 2021.
No ano passado, foi decretada prisão substituída (pena não superior a um ano que nalguns casos pode ser substituída por multa) a 608 pessoas, o que pode implicar, por exemplo, o pagamento de uma multa, ao invés de ir para a cadeia. No total, as coimas são a decisão final mais aplicada nos tribunais judiciais de primeira instância, aponta a tutela. Em 2021, correspondeu a 76% das condenações. "Há, de facto, muitas condenações por crimes rodoviários, mas não têm a capacidade de dissuasão", defende João Clemente. "É preciso perceber o que funciona".
Penas curtas e eficazes
Os dados das autoridades comprovam: como o JN noticiou a 18 de agosto, a PSP e a GNR dão conta de 19 679 crimes rodoviários nos primeiros seis meses deste ano. Número que representa um aumento face ao mesmo período dos dois primeiros anos da pandemia (2020 e 2021) e que supera também o primeiro semestre de 2019. Maria José Fernandes defendeu, no webinar promovido pela GARE - Associação para Promoção de uma Cultura de Segurança Rodoviária, que as "penas curtas de prisão" teriam um efeito mais dissuasor.
O último relatório da Autoridade Nacional da Segurança Rodoviária mostra um crescimento de 36,6% na criminalidade rodoviária, de janeiro a julho de 2022 face ao mesmo período de 2021. "As detenções estão a aumentar", diz João Clemente, que acredita não ser comum a reincidência nos crimes rodoviários. Já a procuradora-geral-adjunta não descarta o regresso do regime de semidetenção.
Prisão só ao fim de semana
No webinar sobre justiça e sinistralidade rodoviária, em novembro, a procuradora-geral-adjunta, Maria José Fernandes, defendeu que a semidetenção (quando o detido pode sair para trabalhar ou estudar) ou a prisão por dias livres (privado de liberdade aos fins de semana) podia ser "adaptada" aos crimes de sinistralidade rodoviária. O Governo terminou estes regimes em maio de 2017 e avançou com a prisão substituída.