Grupos com elementos da PJ, GNR e ICNF são fulcrais nas investigações dos fogos rurais. O recurso a escutas telefónicas e a localização por telemóvel é cada vez mais frequente.
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Mais de 50% dos detidos por incêndio florestal, neste ano, foram sujeitos a medidas de coação privativas da liberdade, como prisão preventiva, detenção domiciliária ou internamento compulsivo. Para tal resultado contribuíram decisivamente uma política de cooperação que foi definida no âmbito de uma nova agência, a criação de grupos multidisciplinares compostos por elementos da Polícia Judiciária (PJ), GNR e Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), bem como o uso, entre outras tecnologias, de escutas telefónicas e localização por telemóvel nas investigações.
Os primeiros passos na modernização da política de investigação de fogos florestais foram dados ainda em 2004, quando, após os grandes fogos do ano anterior, a PJ criou o Grupo Permanente de Acompanhamento e Apoio (GPAA). "Sentiu-se a necessidade de fazer alguma uniformização procedimental e criou-se esta estrutura. Tem a função de uma unidade nacional para os incêndios e define as diretrizes, as boas práticas, as necessidades de formação e material e centraliza as estatísticas", explica o diretor-adjunto da Judiciária, Carlos Farinha.
Este responsável acrescenta que é ainda o GPAA que "motiva os investigadores para lógicas investigatórias mais atuais", o que implica, sempre com a aprovação das autoridades judiciárias, o recurso à "localização celular, análises financeiras e até, se se justificar, a interceções telefónicas". "Esta inovação traduz-se numa melhor assunção das respostas da PJ", garante.
Agregar especialistas
Já em 2017, nasceu a Agência de Gestão Integrada de Fogos Florestais e, no ano seguinte, os Grupos de Trabalho de Redução de Ignições Florestais. Com uma unidade no Norte e outra no Centro, cada uma destas equipas multidisciplinares é composta por quatro ou cinco elementos da PJ, GNR e ICNF, "com grande conhecimento no domínio dos incêndios, com grande conhecimento do meio e com grande capacidade operacional, nomeadamente de recolha de informação".
Sob a égide do GPAA, aqueles grupos de trabalho têm autonomia para investigar qualquer incêndio e a sua atuação, especificamente na obtenção de prova, tem sido fundamental para alargar a aplicação de medidas de coação privativas da liberdade aos incendiários que vão sendo detidos.
PJ e GNR lado a lado
"Esta ideia de juntar qualidade, numa lógica de complementaridade, tem funcionado bem e um dos efeitos positivos foi o aumento, em 2020, da aplicação, como medida de coação, da prisão preventiva, detenção na habitação ou internamento compulsivo a 64% dos 85 incendiários detidos. Este ano, a percentagem é superior a 50%", salienta Carlos Farinha. O mesmo responsável revela ainda que, por ter havido menos fogos, 2021 será também um ano com menos incendiários apanhados na teia da Justiça.
"Sobretudo depois de 2017, tem sido feito um esforço para haver uma resposta integrada e melhor organizada aos incêndios florestais ou rurais. Tem-se feito uma construção efetiva entre a PJ e a GNR e esta intervenção, cada vez mais integrada, tem contribuído para o controlo do fenómeno, na medida em que ele é controlável", conclui o diretor adjunto da PJ.
Números
85% dos incêndios rurais têm origem humana. Contudo, só entre 13% e 20% destes fogos são provocados de forma intencional e com um propósito criminoso. Os restantes são acidentais.
7232 ocorrências relacionadas com incêndios rurais foram registadas ao longo deste ano. O número foi contabilizado pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas.
26.836 hectares arderam, em 2021 e até ontem, na sequência de fogos rurais. Quase 60% desta área destruída era mato e 30% estava implementada em povoamentos florestais.
Pormenores
Relação profícua
A PJ é responsável pela investigação de todos os fogos dolosos e nos quais, independentemente da sua origem, haja vítimas mortais ou feridos graves. "A nossa intervenção parte sempre de uma excelente relação com a GNR e de uma lógica de complementaridade e não de concorrência. Isto é fundamental para rentabilizar os meios existentes", destaca o diretor-adjunto da PJ.
Informação pública
O Governo aprovou, em maio, o Plano Nacional de Ação, que prevê, até 2030, a criação de um sistema que monitorizará a cobertura e ocupação do solo e fornecerá informação sobre os ativos florestais e o risco de incêndio. Haverá ainda um Sistema Nacional de Informação Cadastral.
Planos de recuperação
O mesmo plano aponta para que 1,2 milhões de hectares de espaços rurais sejam tratados através da maquinaria, pastorícia ou fogo controlado. Até 2030, as áreas com mais de 50 hectares que arderem serão alvo de planos de emergência e recuperação.
Vigilância total
O Plano Nacional de Ação refere que, em dez anos, mais de 80% dos aglomerados rurais e interfaces urbano-florestal prioritários estarão adaptados ao fogo. Promete ainda que serão reduzidas em 80% as ignições (intencionais e negligentes) nos dias de elevado risco de incêndio, face à média 2010-2019, e que todo o território em risco de incêndio estará coberto com mecanismos de vigilância.