Mais de um quarto dos juízes portugueses, 27%, acredita que, nos últimos três anos, foram distribuídos processos a magistrados judiciais à revelia das regras estabelecidas, de modo a influenciar o desfecho dos litígios. E 26% mostram-se convencidos de que há corrupção entre os seus pares.
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As conclusões constam de um inquérito europeu, agora tornado público, que abrangeu 15 821 juízes de 27 países, 495 dos quais em Portugal. A percentagem dos juízes portugueses que mais desconfiam da distribuição de processos é a mais elevada dos 27, quase em igualdade com Espanha (26%).
"A distribuição de processos específicos a juízes específicos, se o mecanismo de distribuição permitir decisões discricionárias, por exemplo, pelos órgãos que administram os tribunais pode determinar o resultado desses processos sob formas previsíveis. Isso pode ser provocado por pressão externa, constituindo um potencial caminho para a corrupção", lê-se nos resultados do Questionário Independência Judiciária da Rede Europeia de Conselhos de Justiça (RECJ), divulgado na sexta-feira pelo Conselho Superior da Magistratura.
O inquérito não procurou saber das razões da desconfiança sobre a distribuição de processos, sendo que a percentagem é pouco mais elevada do que a dos magistrados judiciais que consideram que, no mesmo período, houve juízes a aceitar dinheiro ou outras ofertas "como um incentivo para decidir o(s) caso(s) de uma maneira específica" (26%).
Apesar disso, apenas 1% tem a perceção que a corrupção de juízes ocorre "regularmente" e só 6% admitem ter sofrido "pressão inadequada", de "uma maneira específica", para tomar uma decisão num processo em determinado sentido.
Com pior perceção do que os juízes nacionais, a respeito de corrupção entre pares, só os italianos (36%) e os croatas (30%). Com a mesma percentagem de Portugal, surge a Lituânia. Seguem-se a Bósnia-Herzegovina (22%), a Bulgária (21%), a Chéquia e a Eslováquia (ambos com 16%).
Pressão mediática afeta
Mais comum é, para os juízes europeus, a influência da pressão mediática nas decisões dos tribunais, com o impacto dos meios de comunicação social a ser "significativo na maioria dos países".
"As percentagens mais elevadas ocorrem na Eslováquia (60%), na Croácia (53%), em Portugal (40%), na Bulgária (36%), na Letónia (35%) e na Lituânia (35%)", lê-se no relatório.
A influência das redes sociais sobre as decisões dos tribunais parece ser menos eficaz, aos olhos dos juízes. Mesmo assim, mais de um quinto dos portugueses inquiridos (22%) acredita que esse impacto existe. Pior, só a Eslováquia (51%) e a Croácia (37%).
Igualmente elevada é a proporção de inquiridos que consideram que a sua independência não foi respeitada, quer pelos meios de comunicação social quer pelos internautas. Em Portugal, as percentagens são, respetivamente, de 37% e de 33%. Só nalguns países nórdicos a percentagem baixa dos 10%.
Nomeações em causa
As desconfianças dos magistrados judiciais estendem-se ao próprio sistema de progressões na carreira, designadamente no que respeita à promoção ao Supremo Tribunal ou a um órgão similar. Em Portugal, a percentagem de juízes que acreditam que as nomeações não se baseiam "apenas no mérito e na experiência" é de 38%, em linha com os valores verificados em Itália (36%), na Alemanha (34%), na Bulgária (34%) e na Áustria (33%). Acima de Portugal, só a Hungria (52%) e a Espanha (65%).
De resto, entre os 27 países abrangidos pelo inquérito, há 16 em que pelo menos um sexto dos juízes acredita que as nomeações não dependem apenas do mérito e da experiência.
"Em muitos tribunais, os juízes são, como antes, críticos quanto às decisões em matéria de recursos humanos relativas aos juízes e, em particular, à nomeação e promoção. Na opinião dos inquiridos, a nomeação para o Supremo Tribunal/Tribunal de Cassação continua a ser problemática em vários países", lê-se no relatório.