O médico Carlos Durão afirmou esta quarta-feira perante o coletivo de juízes do Tribunal de Leiria, que mesmo que Valentina tivesse sido assistida, "dificilmente sobreviveria" às agressões que lhe terão sido infligidas pelo pai, Sandro Bernardo, a 6 de maio de 2020. A leitura do acórdão ficou marcada para 21 de abril, na Batalha.
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"Devido à gravidade das lesões, nomeadamente à hemorragia cerebral, dificilmente teria sobrevivido. Ou ficaria em estado vegetativo", assegurou Carlos Durão ao presidente do coletivo de juízes, através de videoconferência.
Sem elementos que lhe permitissem indicar a hora da morte da menina de Peniche, o perito disse que "a medicina não é uma ciência exata". "A morte aconteceu algum tempo depois das agressões, mas não podemos precisar."
Perante a insistência dos magistrados, Carlos Durão acrescentou que, para evitar a morte de Valentina e face às lesões que apresentava, teria de ter sido socorrida uma a duas horas depois. "Não posso precisar", sublinhou.
Face ao testemunho do médico, a procuradora do Ministério Público (MP) manteve o pedido de condenação de Sandro e de Márcia Monteiro, madrasta de Valentina, a uma pena de 25 anos de prisão, cada um, pela coautoria do crime de homicídio e de profanação de cadáver.
"Resultou de forma evidente que o perito não soube indicar a hora da morte, mas esclareceu que se a menor tivesse tido assistência, hora a hora e meia depois, a sua morte podia ter sido evitada", observou a procuradora.
Alegações finais
Durante as alegações finais, apresentadas a 26 de março, o MP considerou que Sandro deve ser condenado pela autoria do crime de homicídio, "implicando tortura para aumentar o sofrimento da vítima", e Márcia pela omissão da morte. "O que a lei diz é que comete o crime quem o praticou e quem o permitiu", justificou. "Foi esta conjugação que permitiu a morte da criança."
O MP considerou também que os dois arguidos devem ser julgados pelo crime de abuso e simulação de sinais de crime e, no caso de Sandro, pelo crime de violência doméstica contra Valentina, "pelas lesões que lhe provocou semanas antes". Invocou ainda as declarações proferidas por Raúl, o filho de 12 anos de Márcia, que assistiu às agressões e se apercebeu que Valentina estava a morrer no sofá.
"Tudo isto enquanto Sandro via as suas séries na televisão e Márcia tentava descansar com a Carolina [a filha de sete meses]", acusou a procuradora. "Como justificam a ida à lavandaria, ao supermercado e ao posto de combustível, estando a Valentina a agonizar no sofá da sala, onde circularam todos das 10 da manhã às 10 da noite?", questionou.
Tanto no caso de Sandro como no de Márcia, o MP pediu ainda que ficassem inibidos do exercício do poder paternal por um período não inferior a dez anos, e que não beneficiassem de qualquer atenuante em relação à pena de prisão. "A execução do crime é monstruosa", afirmou, em alusão às queimaduras, marcas de murros, hemorragias, sinais de estrangulamento e contusão cerebral.
"O que é que sente? Medo, pânico de ser apanhado e não tristeza pela morte da filha. Em nenhum momento, o arguido referiu que ficou triste", sublinhou a procuradora, que o acusou de ter uma "relação sem afeto pela filha" e um "estilo educativo autoritário". Quanto à madrasta de Valentina, disse que era mais colaborante e que mostrava emoções com mais facilidade, "o que só por si não impressiona o tribunal".
Advogados pedem condenação
Os advogados dos arguidos também mantiveram as alegações finais, apresentadas a 26 de março. O representante do pai da menor, Roberto Rosendo, considerou que Sandro deve ser condenado pelos mesmos crimes, embora entenda que não cometeu homicídio qualificado pelo prazer de matar e causar sofrimento e que não agiu com frieza. "Pedi a condenação do Sandro porque obviamente os autos confirmam isso, mas não nas cinco alíneas que o MP acusou, e sim em três", esclareceu aos jornalistas.
"É claro que é uma tentativa de diminuição da pena dele", admitiu Roberto Rosendo. Quanto aos testemunhos contraditórios do pai de Valentina, no primeiro interrogatório, durante o julgamento e no dia das alegações finais, o advogado atribuiu a responsabilidade a Sandro. "Sempre me opus a essa nova versão [em que a autora do crime foi a madrasta] e falei com ele nesse sentido", assegurou.
Já Anabela Branco, advogada de Márcia, defendeu que "a arguida deve ser absolvida do crime de homicídio e ser acusada pelo crime de omissão de auxílio", atitude que justificou com medo que sentiu, mas que considerou não dever ser desvalorizada porque "errou". Quanto a Sandro, disse que a sua versão dos factos "não merece qualquer credibilidade".
"Ficou provado que Márcia tentou proteger Valentina, quando lhe dizia [ao pai da menina] para parar e que não era assim que se resolvia a situação", alegou Anabela Branco. Pediu ainda ao coletivo para ter em consideração que "a menor foi negligenciada pelo pai, pela mãe e pelo Estado".
Contradição constante
No dia das alegações finais, Sandro foi confrontado pelo presidente do coletivo de juízes sobre qual das versões correspondia à verdade, a que respondeu "a do julgamento", em que atribuiu a autoria do crime a Márcia. Quando o magistrado lhe pediu uma explicação por ter assumido que tinha sido ele a causar a morte à filha, no primeiro interrogatório, explicou que combinou essa versão com a mulher "por causa dos filhos mais pequenos".
O pai de Valentina voltou, contudo, a entrar em contradição quando outra magistrada do coletivo de juízes lhe perguntou se, na realidade, só tinha dado bofetadas à filha, uma vez que o relatório da autópsia referia que a menina tinha sofrido "pancadas fortes na cabeça". "Só lhe dei palmadas", assegurou Sandro.
Quando o juiz lhe recordou que a versão que tinha dito ser verdadeira era a de que estava no quarto com Raul quando começaram a ouvir Valentina aos gritos, o arguido desculpou-se que tinha ficado baralhado com a gravação, que esteve a ser ouvida antes das alegações finais.
"Em que parte é que está baralhado?", questionou a outra magistrada do coletivo. "O senhor escorregou. Se foi para a verdade, se foi para a mentira vamos ter de ver", observou. "O senhor está sem consistência nenhuma", acusou. "Onde é que começa a verdade?", questionou. "Assumo as culpas de ter levado a Valentina para o pinhal", respondeu Sandro.