O Ministério Público pediu, esta sexta-feira à tarde, a condenação com pena máxima, 25 anos de prisão, ao casal acusado de matar Valentina, menina de nove anos, em Atouguia da Baleia, Peniche, em maio de 2020.
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O acórdão será conhecido no dia 14 de abril.
Durante as alegações finais, a Procuradora do MP considerou que Sandro Bernardo deve ser condenado pela autoria do crime de homicídio qualificado, "implicando tortura para aumentar o sofrimento da vítima", e Márcia Monteiro pela omissão da morte. "O que a lei diz é que comete o crime quem o praticou, como quem o permitiu", justificou. "Foi esta conjugação que permitiu a morte da criança."
O Ministério Público considerou também que os dois arguidos devem ser julgados pelo crime de abuso e simulação de sinais de perigo e, no caso de Sandro, pelo crime de violência doméstica contra Valentina, "pelas lesões que lhe provocou semanas antes". Invocou ainda as declarações proferidas por Raul, o filho de 12 anos de Márcia, que assistiu às agressões e se apercebeu que Valentina estava a morrer no sofá.
"Tudo isto enquanto Sandro via as suas séries na televisão e Márcia tentava descansar com a Carolina [a filha de sete meses]", acusou a Procuradora. "Como justificam a ida à lavandaria, ao supermercado e ao posto de combustível, estando a Valentina a agonizar no sofá da sala, onde circularam todos das 10 da manhã às 10 da noite?", questionou.
Tanto no caso de Sandro, como no caso de Márcia, a Procuradora pediu ainda que ficassem inibidos do exercício do poder paternal por um período não inferior a dez anos, e que não beneficiassem de qualquer atenuante em relação à pena de prisão. "A execução do crime é monstruosa", afirmou, em alusão às queimaduras, marcas de murros, hemorragias, sinais de estrangulamento e contusão cerebral.
"O que é que sente? Medo, pânico de ser apanhado, e não tristeza pela morte da filha. Em nenhum momento, o arguido referiu que ficou triste", sublinhou a Procuradora, que o acusou de ter uma "relação sem afeto pela filha" e um "estilo educativo autoritário". Quanto à madrasta de Valentina, disse que era mais colaborante e que mostrava emoções com mais facilidade, "o que só por si não impressiona o tribunal".
Advogados pedem condenação
Advogado do pai da menor, Roberto Rosendo considerou que Sandro deve ser condenado pelos mesmos crimes, embora entenda que não cometeu homicídio qualificado pelo prazer de matar e causar sofrimento e que não agiu com frieza. "Pedi a condenação do Sandro porque obviamente os autos confirmam isso, mas não nas cinco alíneas que o MP acusou, e sim em três", esclareceu no final da sessão de julgamento, aos jornalistas.
"É claro que é uma tentativa de diminuição da pena dele", admitiu Roberto Rosendo. Quanto aos testemunhos contraditórios do pai de Valentina, no primeiro interrogatório, durante o julgamento e no dia das alegações finais, o advogado atribuiu a responsabilidade a Sandro. "Sempre me opus a essa nova versão [em que a autora do crime foi a madrasta] e falei com ele nesse sentido", assegurou.
Já Anabela Branco, advogada de Márcia, defendeu que "a arguida deve ser absolvida do crime de homicídio e ser acusada pelo crime de omissão de auxílio", atitude que justificou com o medo que sentiu, mas que considerou não dever ser desvalorizada porque "errou". Quanto a Sandro, disse que a sua versão dos factos "não merece qualquer credibilidade".
"Ficou provado que Márcia tentou proteger Valentina, quando lhe dizia [ao pai da menina] para parar e que não era assim que se resolvia a situação", alegou Anabela Branco. Pediu ainda ao coletivo para ter em consideração que "a menor foi negligenciada pelo pai, pela mãe e pelo Estado".
Contradição constante
Confrontado pelo presidente do coletivo de juízes sobre qual das versões correspondia à verdade, Sandro respondeu "a do julgamento", em que atribuiu a autoria do crime a Márcia. Quando o magistrado lhe pediu uma explicação por ter assumido que tinha sido ele a causar a morte à filha, no primeiro interrogatório, explicou que combinou essa versão com a mulher "por causa dos filhos mais pequenos".
O pai de Valentina voltou, contudo, a entrar em contradição quando outra magistrada do coletivo de juízes lhe perguntou se, na realidade, só tinha dado bofetadas à filha, uma vez que o relatório da autópsia referia que a menina tinha sofrido "pancadas fortes na cabeça". "Só lhe dei palmadas", assegurou Sandro.
Quando o juiz lhe recordou que a versão que tinha dito ser verdadeira era a de que estava no quarto com Raul quando começaram a ouvir Valentina aos gritos, o arguido desculpou-se que tinha ficado baralhado com a gravação, que esteve a ser ouvida antes das alegações finais.
"Em que parte é que está baralhado?", questionou a outra magistrada do coletivo. "O senhor escorregou. Se foi para a verdade, se foi para a mentira vamos ter de ver", observou. "O senhor está sem consistência nenhuma", acusou. "Onde é que começa a verdade?", questionou. "Assumo as culpas de ter levado a Valentina para o pinhal", respondeu Sandro.
Antes das alegações finais, o presidente do coletivo perguntou ainda ao pai da menina o que o levou a alterar o depoimento. "Andei a ser acompanhado no Estabelecimento Prisional pela minha psicóloga e devido à minha família, que não acredita que eu pudesse fazer uma coisa destas, decidi contar a verdade verdadeira", justificou o arguido.
Antes da sessão encerrar, foi dada oportunidade aos arguidos de proferirem as últimas declarações. Sandro rejeitou, mas Márcia não. "Quero pedir desculpa e perdão por tudo. Sei que não trago a Valentina de volta, mas peço desculpa principalmente à mãe, porque, por ser cobarde, não consegui pedir o auxílio devido, para ajudar a menina."