Homem foi condenado por agredir a mulher, mas tribunal ressalva que o crime não foi de violência doméstica.
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O Tribunal da Relação de Lisboa confirmou uma decisão do Tribunal de Família e Menores (TFM) de Sintra que obriga uma menina, de 12 anos, a passar a pernoitar fins de semana alternados em casa do pai, apesar de este ter sido condenado por ter batido na mãe à sua frente, em maio de 2018. O testemunho da criança, que continuará a residir habitualmente com a progenitora, foi essencial para esta punição.
No acórdão, os juízes desembargadores sustentam que o homem foi sancionado pela Justiça pelo crime de ofensa à integridade física e não de violência doméstica, nada obstando, assim, ao livre convívio com a filha.
O caso, noticiado em julho pelo JN, começou a desenrolar-se em 2014, quando o casal se separou, após quatro anos de união de facto. A menina tinha então três anos e a mãe apresentou uma queixa às autoridades por violência doméstica.
Em 2019, o ex-companheiro foi condenado neste processo, mas apenas por injúria. Na altura, já pai e mãe se digladiavam há cinco anos nos tribunais pela guarda da filha, tendo até surgido a suspeita, arquivada em 2018, de que o homem abusara sexualmente, em 2015, da criança.
Em abril de 2022, o TFM de Sintra decidiu instituir, a partir de julho, fins de semana alternados em casa do pai, sobre o qual pendia outra acusação de violência doméstica contra a ex-companheira. Em junho, foi condenado neste processo, pelo Tribunal Local Criminal de Sintra, a pagar 700 euros de multa por um crime de ofensa à integridade física, por ter pontapeado a ex-mulher no chão, com a filha escondida no carro.
Inconformada, a mãe - que o TFM considerou que tinha instrumentalizado a menina - recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, para tentar impedir as pernoitas em casa do pai. Mas perdeu.
Não corre perigo, alega
No acórdão, datado de 20 de abril, os desembargadores António Moreira, Carlos Castelo Branco e Orlando Nascimento consideram que, por não se tratar de uma situação de violência doméstica, não há "qualquer necessidade de proteção", nem da progenitora nem da criança.
Os juízes também desvalorizam o facto de a menina não querer estar com o pai, por considerarem que "a sua capacidade de compreender o que está em discussão está contaminada e distorcida pela atuação" da mãe, que acusam de "alienação parental".
Os magistrados decidiram, por isso, manter, em nome do "superior interesse" da menina, o regime fixado pelo TFM de Sintra.
O advogado da mãe, Gameiro Fernandes, interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, suscitando a nulidade da decisão por, entre outras razões, a criança não ter sido ouvida em primeira instância.
Controvérsia
Crimes distintos
A ofensa à integridade física existe em qualquer agressão, enquanto a violência doméstica pressupõe que aquela ocorre no contexto de uma relação familiar e atenta à dignidade humana da vítima.
APAV deixou alerta
Em julho, Frederico Marques, da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), defendeu, em geral, que é preciso "desmitificar" a ideia de que pode ser-se agressor e "bom pai ou mãe" em simultâneo.
Princípio é outro
Já o líder do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, Adão Carvalho, lembrou que o princípio na Justiça é de que, "a não ser que ponha em causa a segurança da própria criança, não se deve privar nenhum dos progenitores do convívio com a criança".