Inspetores do SEF, médica do Hospital Magalhães Lemos e ativista da Organização Internacional das Migrações juntaram esforços na recolha de pistas que permitiram localizar família e amigos de Marco Ghedini.
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Foram a dedicação, o profissionalismo e a cooperação entre profissionais de diferentes instituições que permitiram identificar Marco Ghedini, o italiano que, tal como o JN revelou, foi detido em Oliveira de Frades, após ter sido dado como morto pela família e amigos. Exemplo dessa devoção a uma causa humanitária são Vítor Branco e Paulo Fernandes, inspetores da delegação de Viseu do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), que trabalharam durante a madrugada para descobrir a naturalidade de um doente mental que, em meio ano, percorreu quatro países a pé ou à boleia.
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Vítor foi quem contactou primeiro, em 30 de novembro do ano passado, com o indivíduo, de 29 anos, detido quando andava a vaguear pelas ruas de Oliveira de Frades, sem qualquer documento de identificação. Nessa data, nada se sabia de um indigente de barba grande, roupa suja, botas demasiado gastas, e que pouco falava. Quando o fazia, misturava italiano, espanhol e até português. "Era um farrapo humano, que não tomava banho há cerca de quatro meses", recorda o inspetor do SEF.
Mesmo assim, um juiz do Tribunal de Oliveira de Frades ordenou a sua detenção, na Unidade Habitacional de Santo António, o Centro de Instalação Temporária para estrangeiros do Porto, para que, no prazo de 60 dias, fosse expulso para o país de origem. Vítor Branco e Paulo Fernandes cumpriram a ordem, mas com a convicção de que o indigente devia ser internado num hospital psiquiátrico, em vez de permanecer atrás das grades. E não descansaram enquanto não descobriram a sua identidade.
Redes sociais foram fundamentais
Numa primeira tentativa, a embaixada da Croácia negou que, contrariamente ao afirmado pelo detido, se tratasse de um cidadão deste país dos balcãs. O mesmo começou por fazer a embaixada italiana, levando os inspetores do SEF a recorrer à sua lista de contactos, construída durante missões internacionais, para tentar localizar a família do homem. Porém, ninguém pôde ajudar, porque Marco Ghedini não era procurado por qualquer força policial. Mas Vítor Branco diz que, "apesar das poucas informações, foi possível rastrear parte do seu percurso e localizá-lo em Bilbau, Madrid, onde foi atendido num centro médico, e em Salamanca".
Já nos primeiros dias deste ano, uma médica do Hospital Magalhães Lemos, para onde Ghedini acabaria por ser transferido, após sofrer surtos psicóticos, e uma ativista da Organização Internacional para as Migrações associaram-se à causa. Ambas mantiveram um acompanhamento próximo do homem e reconheceram no doente mental algumas palavras em italiano e o nome de uma empresa na qual tinha trabalhado.
Estas pistas permitiram ao SEF apontar a investigação para a cidade de Ostiglia, na Lombardia. "Percebi, numa notícia de um jornal local, que o Marco já tinha fugido de casa uma vez. Passei essa madrugada a pesquisar nas redes sociais e cheguei a quatro, cinco amigos dele, a quem enviei mensagens. Entre as três e as quatro horas, da noite de 6 de janeiro, recebi a resposta. Ninguém acreditava que o Marco estava vivo e pensaram que era uma brincadeira de mau gosto", conta Vítor Branco, que nessa altura já nem era responsável pelo processo.
O inspetor enviou, de imediato, uma fotografia de Ghedini para provar a veracidade da história e conseguiu que o pusessem em contacto com a mãe. "Enviei-lhe uma mensagem às 5.30 horas e, em menos de duas horas, ela telefonou-me. Contou-me tudo o que se tinha passado", refere.
Regresso das noites mal dormidas após fuga
Os inspetores do SEF pensaram, então, que a tarefa estava terminada, mas a fuga de Marco Ghedini do Hospital Magalhães Lemos, no último dia 15, fez regressar as noites mal dormidas. "Só soubemos do desaparecimento na terça-feira seguinte, quando a mãe, desesperada, me telefonou. Fomos logo para Vila Nova de Gaia e passámos parte dessa noite a procurá-lo", descreve Vítor Branco.
As buscas revelaram-se infrutíferas, mas a notícia do caso publicada nas páginas do JN permitiu que um médico do Hospital Pedro Hispano identificasse, na última quinta-feira, o doente que ali estava internado. Mal souberam da novidade, Paulo Fernandes e Vítor Branco rumaram a Matosinhos e só largaram Marco Ghedini quando o entregaram no Hospital Magalhães Lemos.
Com a esperança que, desta vez, ele consiga regressar a casa, numa viagem que está a ser organizada pela embaixada italiana.