O Ministério Público (MP) pediu, esta quarta-feira, a condenação a penas de prisão de todos os arguidos no processo das golas antifumo, mas admitiu que fiquem próximo dos limites mínimos e sejam suspensas na sua execução.
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Nas alegações finais deste processo, que hoje se iniciaram no Tribunal Central Criminal de Lisboa, no Campus de Justiça, a procuradora Angelina Freitas pediu a condenação de todos os arguidos no caso das golas de autoproteção no programa “Aldeia Segura — Pessoas Seguras”, lançado na sequência dos incêndios florestais de 2017.
O MP entende que as condenações devem ser a penas de prisão, mas fixadas junto dos limites mínimos previstos para os crimes em causa, tendo em causa a ausência de antecedentes criminais dos arguidos e a sua inserção social, admitindo também que possam ser suspensas na sua execução.
O MP pediu ainda como penas acessórias a proibição do direito de acesso a subsídios ou subvenções e a proibição do exercício de funções para os arguidos que exerciam funções públicas e que seja declarada a perda do lucro obtido pelos arguidos e aplicado o mecanismo de perda alargada para o património que o tribunal venha a considerar incongruente.
Ainda na fase de instrução do processo, nas suas alegações finais, então a cargo do procurador David Aguilar, o MP tinha admitido não haver indícios suficientes nos autos para sustentar a acusação e condenar o ex-secretário de Estado da Proteção Civil, José Artur Neves, um dos principais arguidos neste processo. Apesar desse entendimento, acabou por pedir a ida a julgamento de todos os arguidos nos exatos termos da acusação, o que a juíza de instrução viria a validar.
Nas alegações finais hoje, Angelina Freitas insistiu na tese de que os procedimentos de contratação pública para aquisição de golas antifumo e kits de proteção no âmbito do programa "Aldeia Segura – Pessoas Seguras" foi “um simulacro”, com procedimentos viciados, sem respeito pelas regras de contratação pública e das obrigações concorrenciais.
A procuradora afirmou que foi elaborado um plano “ao nível da secretaria de Estado da Proteção Civil”, o qual foi “partilhado por todos os arguidos” e que existem conversas telefónicas intercetadas do general Mourato Nunes, antigo presidente da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) que o comprovam, assim como a sua adesão a esse referido plano.
Para o MP “não restam dúvidas” de que os serviços associados à aquisição e elaboração dos kits de proteção já haviam sido prestados antes de serem contratados e de que os procedimentos ilícitos foram ocultados no momento de candidatura a subsídios, considerando “totalmente consubstanciado” o crime de fraude na obtenção de subsídio.
Sobre a Foxtrot, empresa contratada para o fornecimento dos kits, o MP voltou a defender que a sua escolha foi prévia a qualquer procedimento concursal, apontando a falta de competência e objeto social da empresa para desenvolver esse trabalho e consultas de mercado ficcionadas para a favorecer. “Arriscamo-nos a dizer que se este kit não tivesse golas este processo não teria existido”, disse a procuradora, em referência à importância das imagens das golas de proteção contra incêndios a arder.
Acusação sem provas ou elementos concretos
A defesa do antigo presidente da Proteção Civil e arguido no caso das golas antifumo pediu a sua absolvição no processo face a uma acusação "produzida no plural majestático”, sem elementos concretos nem prova de crimes. Considerando que há um “plural majestático de que a acusação enferma”, José António Barreiros rebateu a tese do “amplo conluio” e a participação e coparticipação dos arguidos de “geometria variável” que disse a narrativa do MP, afirmando que as alegações da procuradora Angelina Freitas "têm mais a ver com a prosa ficcional do que com a prosa jurídica”. “Estava à espera de facto de mais, confesso”, disse.
O advogado apontou a ausência no processo de provas que possam demonstrar qualquer culpa ou ato criminoso de Mourato Nunes, rejeitando, por exemplo, que soubesse que havia empresas escolhidas antes de serem lançados concursos, ou relações prévias com membros do Governo, assim como qualquer alinhamento partidário, referindo, com ironia, que as relações com o ministro Eduardo Cabrita “parece que não eram famosas”.
“Do nada tira-se nada”, disse José António Barreiros, que contestou ainda parte da argumentação do MP para pôr em causa a competência das empresas contratadas para o fornecimento de kits de proteção, nomeadamente o seu âmbito de atividade legalmente registado e a localização da sede da empresa no domicilio dos proprietários.
O advogado insistiu que a concretização do programa "Aldeia Segura – Pessoas Seguras" não se traduziu em qualquer prejuízo para o Estado, mas sim num benefício, que “ainda hoje produz efeitos benignos”, sublinhando a ausência de mortos em incêndios desde os fogos trágicos de 2017 na região centro que motivaram o programa de sensibilização. E frisou que não houve qualquer benefício para o seu cliente, o que invalida os crimes que lhe são imputados, disse, questionando ainda se não será "um atestado de menoridade intelectual" do arguido praticar os crimes sem retirar qualquer proveito.
Admitindo como hipótese que possam ter existido irregularidades procedimentais nos concursos de contratação, José António Barreiros questionou a pertinência de o julgamento decorrer na jurisdição penal e não na administrativa, questionando ainda se há razão para se falar em crime. Manifestou igualmente espanto por ter ouvido a defesa da Agência para o Desenvolvimento e Coesão, que gere a aplicação dos fundos europeus, pedir nas alegações finais a restituição dos montantes relativos aos subsídios europeus atribuídos, algo que já foi feito.
Fraude e participação económica
Em causa neste processo estão alegados crimes de fraude na obtenção de subsídio, participação económica em negócio e abuso de poder, relacionados com a contratação pública e compra de golas de autoproteção no programa “Aldeia Segura — Pessoas Seguras”, lançado na sequência dos incêndios florestais de 2017.
Entre os 19 arguidos (14 pessoas e cinco empresas) que começam hoje a ser julgados a partir das 9.30 horas estão o ex-secretário de Estado da Proteção Civil José Artur Neves e o ex-presidente da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC), general Carlos Mourato Nunes. O Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) enviou em janeiro de 2024 todos os arguidos para julgamento, ao validar na íntegra a acusação do MP.
A acusação foi revelada pelo MP em julho de 2022, após a investigação identificar “ilegalidades com relevo criminal em vários procedimentos de contratação pública” no âmbito do programa “Aldeia Segura — Pessoas Seguras”, que foi cofinanciado pelo Fundo de Coesão, considerando que causou prejuízos para o Estado no valor de 364.980 euros, supostamente desviados a favor dos arguidos.