Ministério Público entende que juiz cometeu graves erros na apreciação da prova e na aplicação do direito. Prescrições, contradições e hipervalorização de testemunhas "amigas" de Sócrates no centro do recurso.
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Prazos e configuração legal das prescrições erradamente interpretados à luz da Lei. Contradições na globalidade da decisão e hipervalorização de testemunhas "amigas" de José Sócrates, em detrimento da prova direta apresentada pelo Ministério Público (MP). Este será o foco do recurso da equipa do procurador Rosário Teixeira, inconformado com o desmoronamento da esmagadora maioria dos crimes da acusação. O MP deve recorrer da totalidade dos 172 crimes que Ivo Rosa deixou cair no final da instrução, prometendo arrasar a decisão instrutória no Tribunal da Relação de Lisboa, que tem alterado inúmeras decisões do juiz de instrução criminal.
De acordo com informações recolhidas pelo JN junto de fontes do MP, a questão da prescrição dos crimes de corrupção - considerados estruturantes na acusação - imputados a José Sócrates, ao empresário Carlos Santos Silva (o alegado testa de ferro), a Ricardo Salgado, a Armando Vara, ou ainda a Zeinal Bava, Henrique Granadeiro e Joaquim Barroca, é considerada essencial para o recurso. Ao contrário do juiz Ivo Rosa, o MP entende que o tempo de prescrição (de cinco anos) apenas deve começar quando acontece a entrega da vantagem de contrapartida prometido. E Sócrates terá recebido dinheiro até pelo menos 2014, data da sua detenção. É a tese do crime continuado, que, garantem as mesmas fonte, é suportada por acórdãos de tribunais superiores.
A moldura penal evocada por Ivo Rosa em relação ao crime de corrupção também vai ser alvo de um feroz contraditório, pois, tratando-se de corrupção para ato ilícito, como defende o MP, não há lugar a prescrição. Por outro lado, Ivo Rosa entendeu que a prescrição se suspende no momento em que o arguido é confrontado com os factos em concreto, enquanto o MP a situa logo na constituição como arguido.
Mas, sabe o JN, a abordagem do MP no recurso deverá ser total, tendo em conta que a acusação foi construída como um puzzle que junta provas indiretas, tornando o todo coerente e impossível de ser desmembrado, como fez Ivo Rosa.
A hipervalorização de testemunhas próximas de José Sócrates, como os antigos ministros Teixeira dos Santos, citado 121 vezes no acórdão, ou Mário Lino (196) e ainda o ex-secretário de Estado Paulo Campos (46) também é apontada pelo MP como um erro grosseiro de apreciação de prova, além de demonstrar uma dualidade de critérios em relação a provas apresentadas pelos procuradores.
No recurso, o MP também irá submeter à apreciação dos juízes da Relação, o que considera serem contradições do despacho de instrução. Ivo Rosa admitiu haver indícios de corrupção com contrapartidas de 1,7 milhões de euros, entre Sócrates e Carlos Santos Silva, que trabalhava para o Grupo Lena. Mas afastou liminarmente a possibilidade de o Grupo Lena ter sido beneficiado.
O MP também se prepara para tentar destruir a tese de Ivo Rosa sobre a alegada inexistência de prova direta da corrupção no caso Vale do Lobo. Há prova documental de fluxos financeiros de um milhão de euros entre a conta de um cidadão holandês ligado ao empreendimento e Armando Vara que, na altura, terá facilitado o financiamento do empreendimento, enquanto administrador da Caixa Geral de Depósitos.
Pressa para pedir mais tempo para recurso gerou confusão
O momento foi captado pelas câmaras, após o final da leitura, na sexta-feira, da decisão instrutória da Operação Marquês, em Lisboa. Numa altura em que o juiz Ivo Rosa se preparava para dar por encerrada a diligência, o procurador Rosário Teixeira pediu a palavra para requerer, desde logo, o alargamento para 120 dias do prazo para recorrer do despacho com 6728 páginas. Ivo Rosa ainda pediu para que o fizesse mais tarde, só por escrito, mas Rosário Teixeira - que liderou a investigação e acompanhou a instrução a par do colega Vítor Pinto - insistiu. O magistrado do Ministério Público acabou por ser autorizado a fazê-lo, consciente, depois de uma cordial troca de palavras com o juiz, que não iria obter uma resposta naquele momento. No final da declaração, perguntou, sem sucesso, se poderia distribuir o requerimento aos restantes intervenientes processuais. Serão todos notificados pelo tribunal, para se pronunciarem.