O representante do Ministério Público (MP) no julgamento dos 11 agentes da PSP, acusados de espancar e cegar um adepto do Boavista num olho, defendeu ontem penas de prisão efetiva para todos. As agressões aconteceram em Guimarães, a 3 de outubro de 2014, nas imediações do Estádio Dom Afonso Henriques, momentos antes da partida entre o Vitória de Guimarães e o Boavista.
Corpo do artigo
Esta quinta-feira, nas alegações finais do julgamento em Guimarães, o procurador do MP defendeu que a pena terá sempre de ser superior a três anos e meio, pugnando por uma condenação a cerca de cinco anos efetiva: "Não me repugnava que andasse por volta disso. O único argumento que pode valer a suspensão é o facto de já terem decorrido cinco anos desde as agressões".
Os 11 agentes em julgamento integravam a equipa 42 do Corpo de Intervenção do Comando Metropolitano do Porto da PSP. Naquele dia, três agentes espancaram o adepto boavisteiro João Pedro Adrião até o deixarem cego de um olho, mas ninguém soube identificar quais dos 11 foram os autores das agressões, pois o fardamento do Corpo de Intervenção, com capacete e viseira, impede o reconhecimento da cara.
Em julgamento, os agentes, entre os quais Paulo Rodrigues, presidente do maior sindicato da Polícia, remeteram-se ao silêncio. "Só se compreende que oito não refiram quem foram os três porque todos eles têm culpa no cartório. Esta forma de todos se escudarem no anonimato, fruto dos seus uniformes, não pode proceder", defendeu o procurador do MP.
Também a advogada Maria Manuela Miranda, que representa a vítima, falou de "uma cortina de silêncio que impediu que mais rapidamente se chegasse à verdade", aludindo a "um corporativismo que não pode sobrepor-se à lei e ao Direito". A advogada também defendeu uma condenação a pena de prisão efetiva, entendendo ser "uma vergonha" que ninguém tenha identificado os autores das agressões quando "é evidente que toda a gente viu e se apercebeu".
Contactado pelo JN, Paulo Rodrigues disse que, nesta fase do julgamento, não vai prestar declarações, remetendo para o final do processo um eventual comentário ao assunto.
"Não se sabe quem cometeu"
Os 11 agentes da PSP estão acusados de um crime de ofensas à integridade física grave qualificada, com especial perversidade e dolo direto. João Carlos Silva, advogado de todos os arguidos, defendeu que "têm de ser absolvidos" pois "não são obrigados a autoincriminarem-se".
Para o defensor, "terá sido praticado um crime, mas não se sabe quem o cometeu" e, embora admita que "se calhar até participou algum" dos arguidos, questiona: "Qual deles foi? Não sabemos. Manda-se um inocente para a prisão para ter a certeza que se prendem dez culpados?". Dirigindo-se aos juízes, João Carlos Silva acrescentou: "Se estiverem aqui na sala os três criminosos, eles têm de ser absolvidos porque vossas excelências não sabem quem eles são".
A leitura do acórdão está agendada para 7 de novembro. O desfecho do caso pode ser decisivo para o processo que decorre na Inspeção Geral da Administração Interna e para a ação administrativa movida pela vítima João Pedro Adrião, que reclama uma indemnização ao Estado e à PSP. v
Era a taxa de alcoolemia da vítima. Diz a defesa que esta quantidade de álcool causa desequilíbrio e falta de discernimento.
Decisão revertida
Um juiz de instrução do Tribunal de Guimarães já determinou a não pronúncia dos agentes por não se saber quem agrediu. No entanto, o tribunal da Relação de Guimarães reverteu a decisão e enviou todos para o julgamento que agora termina.
Caso de Filipe Silva
O caso do subcomissário Filipe Silva, agente da PSP que agrediu um adepto do Benfica em Guimarães e foi condenado a três anos e seis meses, foi usado pelo MP para pedir uma sanção superior.
Deixou advocacia e ainda não casou
João Pedro Adrião, de 40 anos, sofreu lesões irreversíveis na sequência dos socos, pontapés e bastonadas, em Guimarães. A longa jornada de tratamentos médicos, internamentos e operações incluiu a remoção do globo ocular esquerdo, deixando-o cego de um olho. Ao nível profissional, disse que abandonou a profissão de advogado em consequência das lesões. Ao nível pessoal, passou por problemas conjugais. João ia casar uma semana depois do jogo. O matrimónio foi adiado e, até hoje, não se concretizou.