Decisão do tribunal é conhecida esta sexta-feira. Procurador pediu que ex-ministro fosse ilibado, por não ter ficado provado que conhecia a investigação paralela da PJ Militar ao assalto aos paióis.
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Quatro anos e meio depois do assalto aos paióis de Tancos, a 28 de junho de 2017, chega ao fim na sexta-feira, no Tribunal de Santarém, o julgamento de um dos casos mais rocambolescos da Justiça portuguesa.
Entre os 23 arguidos, estão os alegados autores do furto, elementos da Polícia Judiciária Militar (PJM) e da GNR que terão encenado, à margem da PJ civil e do Ministério Público (MP) e com a colaboração do mentor confesso do roubo, a descoberta do armamento, e até o ministro da Defesa à data dos factos, José Azeredo Lopes. É, ainda assim, improvável que o ex-governante venha, atendendo à avaliação final do próprio MP, a ser condenado por qualquer um dos quatro crimes de que fora acusado, por ter, alegadamente, dado cobertura à operação da PJM.
O recuo do MP quanto a uma eventual culpa criminal de Azeredo Lopes, de 60 anos, foi protagonizado, a 6 de julho de 2021, pelo procurador do julgamento. Nas suas alegações finais, Manuel Ferrão pediu a absolvição do antigo ministro, alegando que não ficou provado que este conhecesse totalmente a atuação da PJM.
Azeredo Lopes tem assegurado, desde o início, que nunca soube em tempo real da farsa, mas tal não impediu que, em julho de 2019, fosse constituído arguido e, em setembro do ano seguinte, acusado pelo MP, num despacho assinado por Vítor Magalhães, Cláudia Oliveira Porto e João Valente. Antes, em outubro de 2018, abandonara a tutela da Defesa e o Governo de António Costa para, disse, proteger as Forças Armadas.
SMS mudou tudo
Durante a investigação, tinha sido já o MP o primeiro a querer, à data contra a posição da Polícia Judiciária (PJ), que Azeredo Lopes fosse constituído arguido. O juiz de instrução acedeu e, durante o interrogatório, o telemóvel do ex-ministro foi apreendido. Só depois de analisar o seu conteúdo é que, tal como o JN já noticiou, a PJ passou a considerar Azeredo Lopes suspeito.
Em causa uma troca de mensagens a 18 de outubro de 2017 - dia do achamento na Chamusca da maioria do armamento furtado - com um deputado, em que o então ministro referiu que "sabia" que o material iria ser recuperado, mas tinha tido de "aguentar calado".
No julgamento, Azeredo Lopes justificou a SMS com o facto de, "duas a três semanas antes", ter sido informado apenas de que havia avanços na investigação.
Em julho, Manuel Ferrão pediu ainda a absolvição, entre outros, de dois coronéis da GNR. Solicitou, em contrapartida, nove a dez anos de cadeia para o mentor confesso do furto - João Paulino, 35 anos - e pena suspensa para vários elementos da PJM, incluindo o seu ex-diretor Luís Vieira, de 68 anos. A decisão do tribunal é conhecida sexta-feira.
Campanha
Caso volta a anteceder legislativas
Quando o MP deduziu acusação contra Azeredo Lopes, o país preparava-se para as legislativas de 2019 e o caso Tancos entrou pela campanha eleitoral adentro, com o líder do PSD, Rui Rio, e primeiro-ministro, António Costa (PS), a trocarem galhardetes. Dias após o ato eleitora, a procuradora-geral da República, Lucília Gago, alegaria que "o Ministério Público não se pauta, obviamente, por critérios políticos nem tem de atender a esse tipo de "timings"". A dissolução antecipada do Parlamento ditou que, agora, o fim do julgamento anteceda as legislativas deste mês.
Cronologia: Assalto foi há quatro anos e meio
28 de junho de 2017
É detetado o furto de material de guerra dos paióis militares de Tancos. A PJM começa a investigar.
4 de julho de 2017
O presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, pede o apuramento do que aconteceu, "doa a quem doer". O MP abre um inquérito e a investigação passa para a PJ civil.
18 de outubro de 2017
A PJM anuncia que descobriu na Chamusca, com o apoio da GNR de Loulé, o armamento roubado.
25 de setembro de 2018
O diretor da PJM, Luís Vieira, está entre os detidos pela encenação da recuperação do material.
12 de outubro de 2018
Com suspeitas de que protegera a PJM a correrem na praça pública, Azeredo Lopes demite-se de ministro da Defesa.
17 de dezembro de 2018
A PJ civil detém oito suspeitos do assalto. Em julho seguinte, o ex-ministro é constituído arguido.
26 de setembro de 2019
O MP acusa 23 pessoas. Os arguidos pedem instrução, mas o despacho é confirmado na íntegra.
16 de outubro de 2020
O mentor do furto devolve o armamento em falta. O julgamento começa duas semanas mais tarde.